Seu amor mútuo, visto subjetivamente e sem romantismo, é colocado diante de um pano de fundo, em boa parte cômico, composto por turistas jovens e velhos hospedados no hotel local. Aparentemente destinado a uma relação mais honesta e verdadeira do que o habitual, o noivado acaba com a doença e a morte de Rachel, e depois disso nos é mostrado que, não importa qual a tragédia, a vida continua sem maiores alterações.

Contada sem rodeios, a história é tão banal que pode ser difícil compreender por que deveríamos nos dar ao trabalho de lê-la. Mas escolhendo uma moldura tão simples, Virginia tornou possível concentrar-se naqueles temas que ela considerava importantes. Rachel e Terence, mesmo Helen Ambrose, não são notáveis: conquistam nossa simpatia porque os vemos lutando contra forças mais poderosas que eles.

Desde o começo compreendemos que Helen, a mulher mais velha, mãe e esposa arquetípica, está cheia de pressentimentos. Verdade que podemos sentir que seus receios quanto aos próprios filhos são exagerados, mas durante o livro ficamos muito conscientes da extensão de sua experiência: ela em alguma ocasião anterior encarou a morte, e com relação a isso tem uma profundidade psicológica maior do que qualquer outra pessoa no romance. Esposa, mãe e enfermeira, ela também é a observadora, a sábia Oinone, confidente de Fedra, que observa e comenta, a um só tempo compreensiva e cética porque sabe que não temos liberdade para fazer o que desejamos. E quando no final chegamos à morte de Rachel, nós a vemos como resultado dessa vulnerabilidade. A vida, impiedosa e violenta, esmaga os jovens e corajosos bem como os velhos e os fracos, mas por causa de sua imensurável vitalidade nós nos apaixonamos por ela: apesar de tudo, ela tem de continuar.

Isso não quer dizer que a doença e a morte de Rachel sejam descritas de maneira desumana, sem emoção. Ao contrário, a experiência é vista primeiro da perspectiva dela e depois da de Terence, com um realismo visionário que só pode ter sido adquirido através do sofrimento pessoal. Em seus 33 anos de vida, Virginia teve um contato terrivelmente íntimo com a morte. Sua mãe morrera quando ela tinha 13 anos, e dois anos depois sua adorada meio-irmã Stella Duckworth morreu de peritonite, morte mais triste ainda porque casada poucos meses antes com o advogado Jack Hills, ela florescera depois de uma juventude à sombra de sua brilhante mãe. Depois, nove anos mais tarde, em 1906, o irmão mais velho de Virginia, Thoby, morreu de tifo, diagnosticado tarde demais, após um feriado que passaram juntos na Grécia.

É mais do que provável que o romance seja um reflexo desses acontecimentos traumáticos e um esforço de colocálos numa perspectiva literalmente suportável, com a experiência pessoal de Virginia de enfermidade aliada a colapso mental. Mesmo que, como sugere Quentin Bell, ela tivesse começado a pensar em Melymbrosia, como se chamava o livro no começo, em 1904, foi só nos dois anos seguintes à morte de Thoby que ele adquiriu importância suficiente para Virginia falar a respeito dele. Foi então que mostrou os capítulos iniciais a seu cunhado Clive Bell, que lhe deu excelentes conselhos encorajadores. Diz-se que ela escreveu ao todo sete versões diferentes, completando a versão final, mas ainda não corrigida, pouco antes de seu casamento com Leonard Woolf, em 1912. Mesmo então, principalmente devido à enfermidade, a publicação foi adiada até 1915, quando ela estava demasiado perturbada mentalmente para apreciar o acontecimento.

Em sua necessidade de escrever, ainda que obliquamente,sobre seu próprio sofrimento,Virginia escolheu – ou talvez tenha sido forçada pela intensidade de seus sentimentos – assumir a visão do topo da montanha, de onde, embora as pessoas pareçam menores, o ar é claro, transparente e seco. Sua extraordinária capacidade de ser fiel a suas próprias sensações, enquanto de um lado evita o sentimentalismo, também inclui traços de misticismo, da idéia de que a morte também implica libertação e êxtase. Todo o capítulo XXV, com o patético e o ridículo que se ligam ao sofrimento, testemunha o gênio de Virginia.

Embora, como em todas as tragédias, a vida triunfe, Virginia não a condena nem sequer tenta aplacá-la. Para ela é uma força incontrolável com a qual cada um precisa aprender a lidar, misericordiosamente entremeada por uma comédia irônica e eventualmente hilariante. O heterogêneo grupo de pessoas reunidas aleatoriamente no hotel não é apenas um contraste com a vida na villa, como o é o coro numa peça grega, mas uma oportunidade para Virginia demonstrar sua capacidade de observação, seu afeto e humor, seu amor pelo idiossincrático, que, sem ser tratado com crueldade ou superficialmente, continua próximo o bastante da realidade para ser genuinamente engraçado. Apesar de suas peculiaridades, essas são pessoas muito comuns, humildes e despretensiosas. São iluminadas como que por uma tocha à noite, e somos alertados para uma visão nova e original de seres humanos trazidos ao foco pelo distanciamento da visão de Virginia. Percebemos ligações até então despercebidas entre pessoas e o modo como vivem, e ficamos a um tempo comovidos e deliciados.

Helen é uma precursora de Mrs. Ramsay em Passeio ao farol, um retrato da mãe de Virginia, Julia Stephen, partilhando, tal como na vida real, com algo das características de sua irmã Vanessa. Mrs. Dalloway, passageira temporária no Euphrosyne, termina um discurso bastante efusivo comparando a arte com a vida real dizendo a Helen: “– Você não sente que a vida é um conflito perpétuo? – Helen pensou por um instante. – Não – disse ela –,acho que não. – Houve uma pausa, decididamente desconfortável”.

A resposta atrevida de Helen, implicando uma crítica tácita, a sensação de que os valores de Mrs. Dalloway são de alguma forma falhos, lembra Vanessa que, quando tímida ou socialmente infeliz, ou surpreendida em contradição sem poder explicar por quê, pronunciava um ‘sim’ monossilábico, ou um ‘não’, numa voz profunda e irrespondível, reduzindo seu interlocutor ao silêncio. Próprio dela também é a ocasião em que Helen muda as cadeiras no Euphrosyne “para dar aos homens um aposento só deles.