Ela arrancou da mesa uma toalha de veludo. A aparência do lugar melhorou maravilhosamente”. Vanessa, e Julia também, tinham talento para improvisar conforto, e quem quiser poderá ler nesse gesto uma atitude levemente impaciente e irônica com o sexo masculino que, apesar de toda a sua aparente superioridade, dependia inteiramente das mulheres para algo tão fácil de ter. Uma apologia da igualdade das mulheres percorre o livro, e Rachel pode ser vista, a seu modo, passiva e bastante negativa, como símbolo da nova geração que está na iminência de transformar a relação entre os sexos.

Mesmo assim, como se disse que havia em Julia, há algo de mundano em Helen: ela tem estilo, um savoir faire social, e até uma habilidade de manipular pessoas

– embora não necessariamente como Clarissa Dalloway, encantando-as –, que é parte do poder e da atração desua personalidade. É ela quem apresenta a Rachel um modo mais amplo e tolerante de pensar, e tem a generosidade de encorajá-la a ser ela mesma. E embora Rachel dificilmente seja mais do que um cabide para pendurar certas experiências e sentimentos, muitas vezes sentimos que estes eram os de Virginia. Mais característico de Virginia, por exemplo, é a visão de Rachel da árvore em seu caminho ou do grupo de pessoas paradas diante do hotel que visto “com intensidade espantosa... parecia uma visão no escuro, à noite... Por um momento nada pareceu acontecer”. É um momento quase místico, uma experiência notável por si só, simbolizando o estado de apaixonamento de Rachel.

A veracidade e a total ausência de sentimentalismo com que esse amor é mostrado não são apenas características da própria Virginia, mas integram suas crenças como artista. Foi preciso coragem e tenacidade para nadar contra a forte corrente de romantismo que ainda prevalecia na época, e através do livro todo ela é leal ao que reconhecemos como sua estrela-guia, caminho do qual, uma vez tomado, ela nunca se apartará. Quando nos recuperamos do choque de não nos darem uma resposta fácil, vemos que ela está certa, ela é maior que a soma das partes, ela é confiável. Assim apaziguados, podemos nos atrever a ler o livro por suas qualidades abstratas, seu ritmo musical, lembrando as sutilezas de Debussy ou Ravel; seu emprego da metáfora visual para intensificar uma emoção e remover o entulho, o peso de um evento descrito muito factualmente; a atmosfera onírica engendrada primeiro pelo mar e depois pelo país semitropical e mítico em que nos encontramos (outra metáfora para a própria vida); e o entrelaçamento dos personagens menores, descritos com uma simpatia e afeto que provam que o distanciamento de Virginia está longe da indiferença. Não lemos um livro desses por sua semelhança com nossas próprias vidas mas por seu poder de discernimento, que, ele nos ensina, tem seu próprio valor, raramente encontrado e difícil de adquirir.

 

Angelica Garnett,

Presidente honorária de The Virginia
Woolf Society of Great Britain

1

Como as ruas que levam do Strand ao Embankment são muito estreitas, é melhor não caminhar de braço dado. Se você insistir, empregados de escritórios de advocacia terão de saltar na lama; jovens datilógrafas terão de trotar nervosamente atrás de você. Nas ruas de Londres onde a beleza não é percebida, a excentricidade tem de pagar o pato, e é melhor não ser muito alto, usar um casaco azul comprido ou abanar o ar com a mão esquerda.

Certa tarde no começo de outubro, quando o tráfego se tornava agitado, um homem alto veio a passos largos pelabeira da calçada com uma dama pelo braço. Olhares iradosbatiam nas costas deles. As figuras pequenas, agitadas – pois em comparação com o casal a maioria das pessoas parecia pequena – adornadas com canetas-tinteiro,carregadascom pastas de documentos, tinham compromissos a cumprir e ganhavam salário semanal, de modo que havia alguma razão para o olhar pouco amistoso lançado sobre a altura de Mr. Ambrose e o casaco de Mrs. Ambrose. Mas algum encantamento colocara homem e mulher além do alcance da malícia e da impopularidade. No caso dele, podia se adivinhar pelos lábios que se moviam que era o pensamento; e no caso dela, pelos olhos empedernidos e fixosà sua frente num nível acima dos olhos da maioria, via-se que era tristeza. Só desprezando todos os que via ela conseguia conter as lágrimas, e o atrito de pessoas roçando nela, ao passar, era evidentemente penoso. Depois de observar o tráfego no Embankment por um minuto ou doiscom olhar estóico e fixo, ela puxou a manga do marido eatravessaram em meio a rápida passagem dos automóveis.Quando estavam a salvo do outro lado, ela docemente retirou o braço do dele ao mesmo tempo em que deixava suaprópria boca relaxar e tremer; então lágrimas rolaram e,apoiando os cotovelos na balaustrada, ela protegeu o rostodos curiosos. Mr. Ambrose tentou consolá-la; deu-lhe palmadinhas no ombro; mas ela não mostrava sinais de deixar aproximar-se e, sentindo ser inconveniente ficar parado junto de uma dor maior que a sua, ele cruzou os braços nascostas, e deu uma volta na calçada.

O Embankment sobressai em ângulos aqui e ali como púlpitos; entretanto, em vez de pregadores, menininhos os ocupam, balançando cordas, jogando pedras ou lançando folhas de papel para um cruzeiro. Com um olho acurado para excentricidades, inclinavam-se a achar Mr.Ambrose pavoroso; mas um espertinho mais rápido gritou “Barba Azul!” quando ele passou. Para o caso de passarem a aborrecer sua esposa, Mr. Ambrose brandiu sua bengala na direção deles, o que fez com que resolvessem que ele era apenas grotesco, e quatro gritaram em coro,em vez de um só: “Barba Azul!”

Embora Mrs. Ambrose ficasse bastante quieta, muito mais tempo do que é natural, os menininhos a deixaram em paz.