O barco a remo, aberto, em que estavam sentados, pulava e balançava, cruzando a linha do tráfego. No meio do rio o velho pousou as mãossobre os remos e comentou, enquanto a água passava velozmente, que outrora levava muitos passageiros, mas agorararamente havia algum. Parecia lembrar uma época em queseu barco, ancorado entre juncos, carregava pés delicadospara o outro lado, para os relvados de Rotherhithe.

– Agora eles querem pontes – disse, apontando o contorno monstruoso da Ponte da Torre. Helen contemplou tristonha o homem que estava pondo água entre ela e seus filhos. Tristonha, olhava o navio do qual estavam se aproximando; ancorado no meio da torrente, podiam ler obscuramente seu nome: Euphrosyne.

Na névoa que baixava podiam ver muito difusamente as linhas do cordame, os mastros e a bandeira escura que a brisa inflava para trás.

Quando o barquinho se alinhou com o vapor, o velho largou seus remos e comentou mais uma vez, apontando para cima, que navios do mundo todo usavamaquela bandeira no dia de partir. Nas mentes de ambosos passageiros a bandeira azul pareceu um presságio sinistro, e aquele, um momento para pressentimentos, mas mesmo assim levantaram-se, juntaram suas coisas esubiram ao convés.

Lá embaixo, no salão do navio de seu pai, Miss Rachel Vinrace, de 24 anos, estava esperando de pé, nervosa, seu tio e sua tia. Para começar, embora parentes próximos, ela quase não se lembrava deles; ainda por cima eram idosos,e finalmente, como filha do seu pai, ela tinha de estar preparada para distraí-los de alguma forma. Esperava por eles como gente civilizada em geral aguarda a primeira visão de gente civilizada, como se fosse da natureza deles a iminência de um desconforto físico – um sapato apertado ou uma janela com corrente de ar. Estava numa animação pouco natural para recebê-los. Enquanto se ocupava colocando garfos esmeradamente ao lado de facas,ouviu uma voz masculina dizer em tom sombrio:

– Numa noite escura pode-se cair de cabeça nesta escada.E uma voz feminina acrescentou: -E morrer. Ao pronunciar as últimas palavras ela apareceu na porta. Alta, olhos grandes, enrolada num xale roxo, Mrs.Ambrose era romântica e bela; talvez não simpática, pois seus olhos fitavam diretamente e analisavam o que viam.Seu rosto era muito mais cálido do que um rosto grego;por outro lado, era muito mais audacioso do que os rostos de mulheres inglesas bonitas costumavam ser.

Ah, Rachel, como vai? – disse ela, apertando a mão da outra.

Como vai, querida? – disse Mr. Ambrose, inclinando a cabeça para que a moça o beijasse. A sobrinha instintivamente gostou do corpo magro e anguloso dele, e da cabeça grande com traços imperiosos, e dos olhos agudos e inocentes.

– Avise Mr. Pepper – pediu Rachel ao criado. Marido e mulher sentaram-se então a um lado da mesa com a sobrinha na frente.

– Meu pai me pediu que começasse – explicou-lhe ela.

– Está muito ocupado com os homens... Conhecem Mr.Pepper? Um homenzinho curvado, como algumas árvores se curvam com o vento que sopra de um lado, esgueirara-se para a sala. Cumprimentando Mr. Ambrose com um ace-no de cabeça, apertou a mão de Helen.

– Correntes de ar – disse ele, levantando o colarinho do casaco.

– Ainda está com reumatismo? – perguntou Helen.Sua voz era baixa e sedutora, embora falasse com ar distraído, tendo em mente ainda a visão da cidade e do rio.

– Uma vez reumático, sempre reumático, eu receio – respondeu ele. – Até certo ponto depende do clima, embora não tanto quanto as pessoas pensam.

Seja como for, não se morre disso – disse Helen.

Geralmente não – respondeu Mr. Pepper.

Sopa, tio Ridley? – perguntou Rachel.

– Obrigado, querida – disse ele e, enquanto estendia o prato, deu um suspiro audível. – Ah! ela não é como a mãe.

– Helen bateu tarde demais o copo na mesa para que Rachelnão escutasse e não ficasse vermelha de constrangimento.

– Vejam só como os criados tratam as flores! – ela dis-se apressadamente. Puxou em sua direção um vaso verde com beirada rachada e começou a tirar os pequenos crisântemos, que colocava sobre a toalha da mesa, arranjando-os minuciosamente lado a lado.

Houve um silêncio.

– Você conheceu Jenkinson, não conheceu, Ambrose? – perguntou Mr. Pepper do outro lado da mesa. – Jenkinson de Peterhouse?

Morreu – disse Mr. Pepper.

Meu Deus! Eu o conheci... faz séculos – disse Ridley.

– Foi o herói daquele acidente de chalana, lembra? Sujeito estranho. Casado com uma moça de uma tabacaria, e morava nos Fens... nunca mais soube dele.

– Bebida,drogas – disse Mr.Pepper com sinistra concisão.

– Deixou um ensaio. Disseram que é uma confusão total.