– O homem realmente tinha grandes habilidades – disse Ridley.

– Sua introdução a Jellaby se mantém – prosseguiu Mr. Pepper –, o que é surpreendente, levando-se em conta como os livros-texto mudam. – Havia uma teoria sobre os planetas, não havia? – perguntou Ridley.

– Sem dúvida ele tinha um parafuso frouxo – disse Mr.Pepper, balançando a cabeça.

A mesa tremeu e uma luz lá fora oscilou. Ao mesmo tempo, uma campainha elétrica começou a tocar, aguda,repetidas vezes.

– Estamos partindo – disse Ridley.

Uma onda leve mas perceptível pareceu rolar debaixo do assoalho; depois baixou; então outra veio, mais perceptível. Luzes deslizaram fora da janela sem cortinas. O navio deu um uivo alto e melancólico.

– Partimos – disse Mr. Pepper. Outros navios, tão tristes quanto aquele, responderam lá fora, no rio. Podiam-se ouvir nitidamente os gorgolejos e assobios da água, e o naviobalançava tanto que o camareiro trazendo os pratos teve deequilibrar-se quando puxou a cortina. Houve um silêncio.

– Jenkinson de Cats... você ainda tem contato com ele? – perguntou Ambrose.

– Tanto quanto é possível – disse Mr. Pepper. – Nós nos encontramos todo ano. Este ano ele teve a infelicidade de perder a esposa, o que naturalmente tornou esse encontro penoso.

– Muito penoso – concordou Ridley.

– Há uma filha solteira que cuida da casa para ele, eu acho, mas nunca é a mesma coisa, não na idade dele.

Os dois cavalheiros ficaram balançando as cabeças sabiamente enquanto descascavam suas maçãs.

– Havia um livro, não havia? – indagou Ridley.

Havia um livro, mas jamais haverá um livro – disse Mr. Pepper com tal ferocidade que as duas damas ergueram os olhos para ele.

Nunca haverá um livro, porque outra pessoa o escreveu por ele – disse Mr. Pepper com bastante azedume. – É o que acontece quando se larga tudo para colecionar fósseis e escavar arcos normandos em pocilgas.

– Confesso que simpatizo com isso – disse Ridley num suspiro melancólico. – Tenho um fraco por pessoas que não conseguem engrenar direito na vida.

–... O acervo de toda uma vida desperdiçado – prosseguiu Mr. Pepper. – Ele tinha coisas guardadas o bastante para encher um celeiro. – Isso é um vício do qual alguns de nós escapam – disse Ridley. – Nosso amigo Miles tem outra obra publicada hoje.

Mr. Pepper deu um risinho azedo.

– Segundo meus cálculos – disse –, ele produziu dois volumes e meio por ano, o que, descontando o tempo passado no berço e assim por diante, mostra uma aplicação louvável.

– Sim, o que o velho Master disse dele concretizou-se direitinho disse Ridley.

– Eles tinham lá seu jeito – disse Mr.Pepper.– Conhece a coleção Bruce? Não para ser publicada, claro. – Acho que não – disse Ridley, significativamente. – Para um clérigo ele era... notavelmente liberado.

– O Pump em Neville’s Row por exemplo? – perguntou Mr. Pepper.

– Exatamente – disse Ambrose.

Cada uma das damas, segundo a moda do seu sexo,altamente treinada para promover a conversa masculina sem a escutar, podia pensar – sobre a educação de filhos ou sobre o uso de sirenes de nevoeiro numa ópera – sem se trair. Helen apenas se espantou porque Rachel estava talvez um pouco calada demais para uma anfitriã e poderia ter ocupado suas mãos com alguma coisa.

Talvez... ? – disse ela depois, e ambas se levantaram e saíram, para vaga surpresa dos homens, que ou as julgavam atentas, ou tinham esquecido sua presença.

Ah, a gente podia contar histórias estranhas sobre os velhos tempos – ouviram Ridley dizer enquanto ele mergulhava de novo em sua cadeira.