e pareceu-lhe a terra

Um vasto e inútil mausoléu.

Desde então, uma atroz devoradora chama

Calcinou-lhe o desejo, e o reduziu a pó.

E nunca mais o Pobre olhou uma só dama,

— Nem uma só! Nem uma só!

Conservou, desde então, a viseira abaixada:

E, fiel à Visão, e ao seu amor fiel,

Trazia uma inscrição de três letras, gravada

A fogo e sangue no broquel.

Foi aos prélios da Fé. Na Palestina, quando,

No ardor do seu guerreiro e piedoso mister,

Cada filho da Cruz se batia, invocando

Um nome caro de mulher,

Ele rouco, brandindo o pique no ar, clamava:

"Lumen coeli Regina!" e, ao clamor dessa voz,

Nas hostes dos incréus como uma tromba entrava,

Irresistível e feroz.

Mil vezes sem morrer viu a morte de perto,

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E negou-lhe o destino outra vida melhor:

Foi viver no deserto... E era imenso o deserto!

Mas o seu Sonho era maior!

E um dia, a se estorcer, aos saltos, desgrenhado,

Louco, velho, feroz, — naquela solidão

Morreu: — mudo, rilhando os dentes, devorado

Pelo seu próprio coração.

Ida

Para a porta do céu, pálida e bela,

Ida as asas levanta e as nuvens corta.

Correm os anjos: e a criança morta

Foge dos anjos namorados dela.

Longe do amor materno o céu que importa?

O pranto os olhos límpidos lhe estrela...

Sob as rosas de neve da capela,

Ida soluça, vendo abrir-se a porta.

Quem lhe dera outra vez o escuro canto

Da escura terra, onde, a sangrar, sozinho,

Um coração de mãe desfaz-se em pranto!

Cerra-se a porta: os anjos todos voam.

Como fica distante aquele ninho,

Que as mães adoram... mas amaldiçoam!

Noite de Inverno

Sonho que estás à porta...

Estás - abro-te os braços! - quase morta,

Quase morta de amor e de ansiedade.

De onde ouviste o meu grito, que voava,

E sobre as asas trêmulas levava

As preces da saudade?

Corro à porta... ninguém! Silêncio e treva.

Hirta, na sombra, a Solidão eleva

Os longos braços rígidos, de gelo...

E há pelo corredor ermo e comprido

O suave rumor de teu vestido,

E o perfume subtil de teu cabelo.

Ah! Se agora chegasses!

Se eu sentisse bater em minhas faces

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A luz celeste que teus olhos banha;

Se este quarto se enchesse de repente

Da melodia, e do dano ardente

Que os passos te acompanha:

Beijos, presos no cárcere da boca,

Sofreando a custo toda a sede louca,

Toda a sede infinita que os devora,

— Beijos de fogo, palpitando, cheios

De gritos, de gemidos e de anseios,

Transbordariam por teu corpo afora...

Rio aceso, banhando

Teu corpo, cada beijo, rutilando,

Se apressaria, acachoado e grosso:

E, cascateando, em pérolas desfeito,

Subiria a colina de teu peito,

Lambendo-te o pescoço...

Estrela humana que do céu desceste!

Desterrada do céu, a luz perdeste

Dos fulvos raios, amplos e serenos;

E na pele morena e perfumada

Guardaste apenas essa cor dourada

Que é a mesma cor de Sírius e de Vênus.

Sob a chuva de fogo

De meus beijos, amor! terias logo

Todo o esplendor do brilho primitivo;

E, eternamente presa entre meus braços,

Bela, protegerias os meus passos,

— Astro formoso e vivo!

Mas... talvez te ofendesse o meu desejo.

E, ao teu contacto gélido, meu beijo

Fosse cair por terra, desprezado.

Embora! que eu ao menos te olharia,

E, presa do respeito, ficaria

Silencioso e imóvel a teu lado.

Fitando o olhar ansioso

No teu, lendo esse livro misterioso,

Eu descortinaria a minha sorte...

Até que ouvisse, desse olhar ao fundo,

Soar, num dobre lúgubre e profundo,

A hora da minha morte!

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Longe embora de mim teu pensamento,

Ouvirias aqui, louco e violento,

Bater meu coração em cada canto;

E ouvirias, como uma melopéia,

Longe embora de mim a tua idéia,

A música abafada de meu pranto.

Dormirias, querida...

E eu, guardando-te, bela e adormecida,

Orgulhoso e feliz com o meu tesouro,

Tiraria os meus versos do abandono,

E eles embalariam o teu sono,

Como uma rede de ouro.