A rosa, que acordou sob as ramas cheirosas,

Diz-me: "Acorda com um beijo as outras flores quietas!

Poeta! Deus criou as mulheres e as rosas

Para os beijos do sol e os beijos dos poetas!"

E a ave diz: "Sabes tu? Conheço-a bem... Parece

Que os Gênios de Oberon bailam pelo ar dispersos,

E que o céu se abre todo, e que a terra floresce,

— Quando ela principia a recitar teus versos!»

E diz a luz: "Conheço a cor daquela boca!

Bem conheço a maciez daquelas mãos pequenas!

Não fosse ela aos jardins roubar, trêfega e louca,

O rubor da papoula e o alvor das açucenas!"

Diz a palmeira: "Invejo-a! Ao vir a luz radiante,

Vem o vento agitar-me e desnastrar-me a coma:

E eu pelo vento envio ao seu cabelo ondeante

Todo o meu esplendor e todo o meu aroma!"

E a floresta, que canta, e o sol, que abre a coroa

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De ouro fulvo, espancando a matutina bruma,

E o lírio, que estremece, e o pássaro, que voa,

E a água, cheia de sons e de flocos de espuma,

Tudo, — a cor, o dano, o perfume e o gorjeio,

Tudo, elevando a voz, nesta manhã de estio,

Diz: "Pudesses dormir, poeta! no seu seio,

Curvo como este céu, manso como este rio!"

Dentro da Noite

Ficas a um canto da sala,

Olhas-me e finges que lês..

Ainda uma vez te ouço a fala,

Olho-te ainda uma vez;

Saio... Silêncio por tudo:

Nem uma folha se agita;

E o firmamento, amplo e mudo,

Cheio de estrelas palpita.

E eu vou sozinho, pensando

Em teu amor, a sonhar,

No ouvido e no olhar levando

Tua voz e teu olhar.

Mas não sei que luz me banha

Todo de um vivo clarão;

Não sei que música estranha

Me sobe do coração.

Como que, em cantos suaves,

Pelo caminho que sigo,

Eu levo todas as aves,

Todos os astros comigo.

E é tanta essa luz, é tanta

Essa música sem par,

Que nem sei se é a luz que canta,

Se é o som que vejo brilhar.

Caminho em êxtase, cheio

Da luz de todos os sóis,

Levando dentro do seio

Um ninho de rouxinóis.

E tanto brilho derramo,

E tanta música espalho,

Que acordo os ninhos e inflamo

As gotas frias do orvalho.

E vou sozinho, pensando

Em teu amor, a sonhar,

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No ouvido e no olhar levando

Tua voz e teu olhar.

Caminho. A terra deserta

Anima-se. Aqui e ali,

Por toda parte desperta

Um coração que sorri.

Em tudo palpita um beijo,

Longo, ansioso, apaixonado,

E um delirante desejo

De amar e de ser amado.

E tudo, — o céu que se arqueia

Cheio de estrelas, o mar,

Os troncos negros, a areia,

— Pergunta, ao ver-me passar:

"O Amor, que a teu lado levas,

A que lugar te conduz,

Que entras coberto de trevas,

E sais coberto de luz?

De onde vens? que firmamento

Correste durante o dia,

Que voltas lançando ao vento

Esta inaudita harmonia?

Que país de maravilhas,

Que Eldorado singular

Tu visitaste, que brilhas

Mais do que a estrela polar?"

E eu continuo a viagem,

Fantasma deslumbrador,

Seguido por tua imagem,

Seguido por teu amor.

Sigo... Dissipo a tristeza

De tudo, por todo o espaço,

E ardo, e canto, e a Natureza

Arde e canta, quando eu passo,

— Só porque passo pensando

Em teu amor, a sonhar,

No ouvido e no olhar levando

Tua voz e teu olhar...

Campo-Santo

Os anos matam e dizimam tanto

Como as inundações e como as pestes.

A alma de cada velho é um Campo-Santo

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Que a velhice cobriu de cruzes e ciprestes

Orvalhados de pranto.

Mas as almas não morrem como as flores,

Como os homens, os pássaros e as feras:

Rotas, despedaçadas pelas dores,

Renascem para o sol de novas primaveras

E de novos amores.

Assim, às vezes, na amplidão silente,

No sono fundo, na terrível calma

Do Campo-Santo, ouve-se um grito ardente:

É a Saudade! é a Saudade!...

E o cemitério da alma

Acorda de repente.

Uivam os ventos funerais medonhos. .

Brilha o luar... As lápides se agitam. .

E, sob a rama dos chorões tristonhos,

Sonhos mortos de amor despertam e palpitam,

Cadáveres de sonhos...

Desterro

Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado

Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho.