e no entanto lógico, pois, se era difícil esconder a massa volumosa que o conjunto das joias teria formado, bem menor era a dificuldade de ocultar pequenas coisas independentes umas das outras, pérolas, esmeraldas e safiras!
E, no jantar, aconteceu o seguinte: à direita e à esquerda de Rozaine, os dois lugares permaneceram vazios. E à noite se soube que ele fora convocado pelo comandante.
Sua prisão, que ninguém pôs em dúvida, causou um verdadeiro alívio. Respirava-se, enfim. Naquela noite, todos se distraíram com pequenos jogos, dançaram. Miss Nelly, sobretudo, mostrou uma surpreendente animação que me fez ver que, se as homenagens de Rozaine puderam lhe agradar no início, ela não se lembrava mais disso. Sua graça acabou por me conquistar. Por volta da meia-noite, à claridade serena da lua, declarei a ela meu afeto com uma emoção que não pareceu desagradá-la.
Mas no dia seguinte, para o estupor geral, ficou-se sabendo que, as acusações contra Rozaine não sendo suficientes, ele estava livre.
Filho de um rico negociante de Bordeaux, o jovem exibira papéis perfeitamente em ordem. Além do mais, seus braços não mostravam o menor sinal de ferimento.
– Papéis! Certidões de nascimento! – exclamaram os inimigos de Rozaine. – Arsène Lupin pode forjá-los à vontade! Quanto ao ferimento, é porque não o sofreu... ou apagou os vestígios!
Objetaram que, na hora do roubo, Rozaine – estava comprovado – passeava no convés. Ao que os primeiros argumentavam:
– Um homem da têmpera de Arsène Lupin tem necessidade de assistir ao roubo que comete?
Havia ainda, independentemente de qualquer outra consideração, um ponto que os mais céticos não podiam contestar. Quem, senão Rozaine, viajava sozinho, era louro e tinha um nome que começava por R? Quem o telegrama designava, senão Rozaine?
E quando este, alguns minutos antes do almoço, se dirigiu audaciosamente até o nosso grupo, Miss Nelly e Lady Jerland se levantaram e se afastaram.
Era uma clara reação de medo.
Uma hora mais tarde, uma circular manuscrita passava de mão em mão entre empregados de bordo, marujos e viajantes de todas as classes: o sr. Louis Rozaine prometia uma soma de dez mil francos a quem desmascarasse Arsène Lupin ou descobrisse o possuidor das joias roubadas.
– E se ninguém vier em meu auxílio contra esse bandido – declarou Rozaine ao comandante – me encarregarei dele sozinho.
Rozaine contra Arsène Lupin, ou melhor, segundo uma frase que circulou, Arsène Lupin contra Arsène Lupin: era uma luta interessante!
Ela se prolongou durante dois dias.
Rozaine foi visto andando de um lado a outro, abordando empregados, interrogando, bisbilhotando. Avistaram sua sombra vagando à noite.
O comandante, por sua vez, mostrou a mais ativa energia. De cima a baixo, em todos os cantos, o Provence foi vasculhado. Buscas foram feitas em todas as cabines, sem exceção, sob o pretexto muito justo de que os objetos estariam escondidos em qualquer lugar, exceto na cabine do culpado.
– Acabarão por descobrir alguma coisa, não acha? – perguntou-me Miss Nelly. – Por mais feiticeiro que seja, ele não pode fazer diamantes e pérolas ficarem invisíveis.
– Mas nesse caso – respondi – seria preciso explorar o forro de chapéus ou casacos e tudo o que trazemos conosco.
E, mostrando a ela minha Kodak, uma 9 por 12 com a qual não me cansava de fotografá-la nas atitudes mais diversas:
– Não acha que, num aparelho não maior que este, haveria lugar para todas as pedras preciosas de Lady Jerland? Finge-se tirar fotos, e a trapaça está garantida.
– Mas ouvi dizer que não há ladrão que não deixe atrás de si uma pista qualquer.
– Menos um: Arsène Lupin.
– Por quê?
– Porque ele não pensa apenas no roubo que comete, mas em todas as circunstâncias que poderiam denunciá-lo.
– No início o senhor estava mais confiante.
– Sim, mas depois que o vi em ação...
– E então, o que acha?
– Na minha opinião, estão perdendo tempo.
E, de fato, as investigações não produziam resultado algum ou, pelo menos, acabaram por produzir um que contrariou o esforço geral: o relógio de bolso do comandante foi roubado.
Furioso, este redobrou o ardor e passou a vigiar ainda mais de perto Rozaine, com quem teve várias conversas. No dia seguinte, divertida ironia, encontraram o relógio entre os colarinhos postiços do subcomandante.
Tudo isso tinha um ar de prodígio e mostrava claramente o estilo humorístico de Arsène Lupin, ladrão, vá lá, mas diletante também. Ele trabalhava por prazer e por vocação, é verdade, mas também por divertimento. Dava a impressão do cavalheiro que se diverte com a peça que prega e que, nos bastidores, morre de rir de suas espertezas e das situações que imaginou.
Decididamente era um artista no seu gênero, e, quando observei Rozaine, taciturno e obstinado, e pensei no duplo papel que esse curioso personagem desempenhava, não pude falar dele sem certa admiração.
Ora, na penúltima noite de viagem, o oficial de vigia ouviu gemidos no lugar mais escuro do convés. Aproximou-se. Um homem estava estendido, a cabeça envolta numa echarpe cinza bastante espessa, os punhos amarrados com uma corda fina.
Tiraram-lhe as ataduras, levantaram-no, cuidados lhe foram prestados.
Era Rozaine, assaltado durante uma de suas expedições, derrubado e roubado. Um cartão de visita fixado por uma agulha no seu casaco trazia estas palavras:
Arsène Lupin aceita com gratidão os dez mil francos do sr. Rozaine.
Na realidade, a carteira roubada continha vinte notas de mil.
Naturalmente, acusaram o infeliz de ter simulado esse ataque contra si mesmo. Mas, além de lhe ser impossível atar-se daquela forma, ficou claro que a escrita do cartão diferia da escrita de Rozaine, e se não era idêntica, se assemelhava à de Arsène Lupin, tal como a reproduzia um antigo diário encontrado a bordo.
Assim, portanto, Rozaine não era mais Arsène Lupin. Rozaine era Rozaine, filho de um negociante de Bordeaux. E a presença de Arsène Lupin se afirmava mais uma vez por esse ato temível.
Foi o terror. Ninguém ousou mais ficar sozinho na cabine e tampouco se aventurar nos lugares mais desertos. Por prudência, grupos se formaram entre pessoas seguras umas das outras. E mesmo assim uma desconfiança instintiva dividia os mais íntimos.
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