Preferirá sair entre os últimos, quando o olhar do velho estiver fatigado.
O desembarque começou. Apoiado no seu guarda-chuva, com um ar indiferente, Ganimard não parecia prestar atenção na multidão que se comprimia entre as duas balaustradas. Notei que um oficial de bordo, postado atrás dele, lhe passava informações de vez em quando.
O marquês de Raverdan, o major Rawson, o italiano Rivolta passaram, além de outros, muitos outros... Vi que Rozaine se aproximava.
– Talvez seja ele, apesar de tudo – disse-me a srta. Nelly. – O que acha?
– Penso que seria muito interessante ter numa mesma fotografia Ganimard e Rozaine. Pegue a minha câmera, estou muito carregado.
Entreguei-lhe a Kodak, mas tarde demais para que ela pudesse utilizá-la. Rozaine passava. O oficial se inclinou ao ouvido de Ganimard, este alçou ligeiramente os ombros e deixou passá-lo.
Mas então, meu Deus, quem era Arsène Lupin?
– Sim – ela disse em voz alta –, quem é ele?
Não havia mais que uns vinte passageiros. Ela os observava, um a um, com o temor confuso de que ele estivesse entre esses vinte.
Eu disse a ela:
– Não podemos mais esperar.
Ela avançou, eu a acompanhei. Mas não havíamos dado dez passos e Ganimard nos barrou a passagem.
– Que houve? – exclamei.
– Um instante, senhor, por que a pressa?
– Acompanho a senhorita.
– Um instante – ele repetiu, com uma voz mais imperiosa.
Encarou-me profundamente, depois me disse, olhos nos olhos:
– Arsène Lupin, não é?
Pus-me a rir.
– Bernard d’Andrézy, apenas.
– Bernard d’Andrézy morreu há três anos na Macedônia.
– Se Bernard d’Andrézy estivesse morto, eu não estaria mais neste mundo. E não é o caso. Aqui estão meus papéis.
– São os dele. Como os obteve é o que terei o prazer de lhe explicar.
– Mas o senhor está louco! Arsène Lupin embarcou sob o nome de R.
– Sim, mais um dos seus truques, uma falsa pista na qual lançou o pessoal de lá. Ah! Você é muito esperto, meu rapaz. Mas desta vez a sorte virou. Vamos, Lupin, mostre que é um bom jogador.
Hesitei um segundo. Com um golpe seco ele me bateu no antebraço direito. Dei um grito de dor. Ele havia atingido o ferimento ainda mal curado que o telegrama assinalava.
Tudo bem, era preciso resignar-se. Voltei-me para a srta. Nelly. Ela escutava, lívida, vacilante.
Seu olhar cruzou o meu, depois baixou para a Kodak que eu lhe entregara. Ela fez um gesto brusco e tive a impressão, tive a certeza de que havia compreendido tudo. Sim, era ali, dentro da máquina fotográfica, no interior do objeto que eu tivera a precaução de depositar entre suas mãos antes que Ganimard me prendesse, era ali que estavam os vinte mil francos de Rozaine, as pérolas e os diamantes de Lady Jerland.
Ah! Juro que naquele momento solene, enquanto Ganimard e dois de seus auxiliares me cercavam, tudo me foi indiferente, minha prisão, a hostilidade das pessoas, tudo, exceto isto, a resolução que Miss Nelly tomaria acerca do que eu lhe confiara.
Que tivessem contra mim essa prova material e decisiva, não era o que eu temia, mas sim que Miss Nelly se decidisse a fornecer essa prova.
Eu seria traído por ela? Condenado por ela? Agiria ela como inimiga que não perdoa, ou como mulher que se lembra e cujo desprezo se abranda com um pouco de indulgência, com um pouco de simpatia involuntária?
Ela passou diante de mim. Saudei-a discretamente, sem uma palavra. Misturada aos outros viajantes, dirigiu-se à passarela, com minha Kodak na mão.
Mas, ao chegar ao meio da passarela, num gesto de inabilidade simulada, deixou-a cair na água, entre o muro do cais e o flanco do navio.
Depois a vi afastar-se.
A linda silhueta se perdeu na multidão, apareceu de novo, desapareceu. Estava acabado, acabado para sempre.
Por um instante fiquei imóvel, ao mesmo tempo triste e tocado por uma doce ternura, depois suspirei, para o grande espanto de Ganimard:
– Que pena, apesar de tudo, não ser um homem de bem...
Foi assim que, numa noite de inverno, Arsène Lupin me contou a história da sua prisão. Alguns incidentes, cujas circunstâncias algum dia relatarei, haviam estabelecido entre nós laços... de amizade, eu diria? Sim, ouso acreditar que Arsène Lupin me honra com alguma amizade, e que é por amizade que chega às vezes de surpresa à minha casa, trazendo, ao silêncio do meu gabinete de trabalho, uma alegria juvenil, o brilho da sua vida ardente, o belo humor de um homem para quem o destino reservou apenas favores e sorrisos.
Seu retrato? Como eu poderia fazê-lo? Vinte vezes vi Arsène Lupin, e vinte vezes foi um indivíduo diferente que me apareceu...
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