Se o sr. Harbison fosse dono de um escravo chamado Bull (Touro), Tom teria falado dele como sendo “Harbison’s Bull” (o Bull de Harbison); porém um cachorro ou mesmo um filho que tivesse esse nome ou apelido seria chamado “Bull Harbison” (com o mesmo significado). (N.A.)

[3]. No original “Dad fetch it!” De acordo com o Dr. Frank H. Pollight, Ph. D. em Literatura Americana, esta expressão aparentemente incompreensível se refere a uma superstição vigente na época e no local de que os mortos (especialmente os parentes) podem vir nos buscar (ou mandar um cão vadio como mensageiro). Tom Sawyer é órfão e suspeita que seu pai mandou buscá-lo devido a seu mau comportamento. (N.T.)

[4]. Alusão à história das Mil e Uma Noites, em que um mercador carregara excessivamente um camelo e todavia o valente animal prosseguia transportando a carga; mas, no momento em que uma pena foi colocada sobre as mercadorias, a besta arriou o dorso e morreu. (N.T.)

Capítulo 11

Por volta do meio-dia, a aldeia inteira foi subitamente eletrizada pelas terríveis notícias. Não houve a menor necessidade de um telégrafo com que ninguém ainda sonhara e muito menos inventara; a notícia foi passando de boca em boca, de homem para homem, de grupo em grupo, de uma casa para outra, com uma velocidade muito pouco menor que a do telégrafo. Naturalmente, o mestre-escola deu feriado nesta tarde – a cidadezinha inteira iria ficar desconfiando dele se não suspendesse as aulas. Uma faca ensanguentada tinha sido encontrada próximo ao homem assassinado e alguém já a havia reconhecido como pertencente a Muff Potter – pelo menos era esta a história que corria. Também diziam que um cidadão que estava retornando para casa a uma hora muito tardia havia encontrado o próprio Potter “a lavar-se” em um riachinho, entre uma e duas horas da madrugada; mais ainda, dizia-se que imediatamente Potter tinha fugido para se esconder no meio do mato. Estas circunstâncias eram muito suspeitas, especialmente o fato de ele estar a lavar-se a uma hora dessas, logo Potter, que absolutamente não tinha o hábito de tomar banho, lavar as mãos ou coisa parecida. Também corria que haviam investigado toda a cidade em busca deste “assassino” (em casos como este, o público rapidamente avalia as evidências e chega a um veredicto), porém ele não pudera ser encontrado em parte alguma. Homens a cavalo tinham sido despachados por todas as estradas, em todas as direções possíveis, e o xerife tinha certeza de que ele seria capturado antes do cair da noite.

Lentamente, toda a cidade se locomoveu para o cemitério. A melancolia de Tom desapareceu e ele se uniu à procissão; de fato, ele preferia mil vezes ir a qualquer outro lugar, mas uma fascinação terrível e inexplicável o atraía nessa direção. Ao chegar ao lugar tenebroso, ele esgueirou seu corpinho através da multidão, chegou até a primeira fila e avistou o desalentador espetáculo. Parecia que um século tinha passado desde que ele estivera ali na noite anterior. Alguém beliscou seu braço. Virou-se, um tanto zangado, encontrando o olhar de Huckleberry. Os dois desviaram os rostos imediatamente, imaginando que alguém poderia ter desconfiado dos olhares que lançaram um ao outro. Mas todos estavam falando ao mesmo tempo, contemplando com olhos atentos o triste espetáculo à sua frente. As vozes se sucediam:

– Pobre camarada! Coitado, era tão jovem! Isto deveria servir de lição para toda essa gente que assalta os túmulos![1] Muff Potter vai ser enforcado por isso, se conseguirem pegá-lo! – estes eram os comentários mais comuns, e o Ministro acrescentou:

– Foi castigo de Deus! Sua própria Mão se encontra aqui!…

De repente, Tom tremeu da cabeça aos pés, porque seus olhos caíram sobre o rosto impassível de Injun Joe. Nesse mesmo momento, a multidão começou a se agitar e empurrar. Algumas vozes gritaram:

– É ele! É ele! Ele está vindo para cá! É ele mesmo!

– Quem? Quem? – indagaram vinte vozes.

– Muff Potter!

– Olhem, ele parou! Vejam, ele está virando! Não deixem ele fugir!

Mas algumas pessoas que estavam empoleiradas nos galhos das árvores acima da cabeça de Tom disseram que ele nem estava tentando fugir – só parecia perplexo e em dúvida sobre o que fazer.

– Mas esse cara tem um peito dos infernos! – disse um homem parado logo ali. – Pois não é que o sujeito queria dar uma espiada no resultado do seu serviço! Só que não estava esperando encontrar toda esta gente por aqui…

A turba abriu alas então e o xerife atravessou o caminho aberto, caminhando muito seguro de si, chegando até Potter e agarrando-o pelo braço.