A todos os problemas de Baudelaire, acrescenta-se com o passar do tempo uma saúde cada vez mais frágil. Em 1864 instala-se na Bélgica, onde em 1866 sofre um acidente vascular cerebral, tornando-se afásico e hemiplégico. Falece em Paris, em 31 de agosto de 1867. Muitos de seus trabalhos, como os Pequenos poemas em prosa, só vieram a ser publicados postumamente.
Se tinha 36 anos quando publicou As flores do mal, os poemas do livro começaram a ser escritos precocemente, quando ele ainda estava na casa dos vinte anos — fato que nem sempre é lembrado —, embora o início de sua publicação esparsa, em diversos periódicos, só tenha se dado um pouco depois. Vários poemas estariam prontos entre 1843 e 1844, ou mesmo antes — em 1841, segundo o estudioso F. W. Leakey, já havia textos do livro. No entanto, esse pequeno livro de poemas capital, e o único que publicou, não constitui apenas uma recolha de material prévio, não é apenas um agrupamento sem organização interna. Este é um aspecto de grande importância para a compreensão de As flores do mal, ressaltado com frequência por vários críticos: trata-se de um livro rigorosamente ordenado. As edições do livro — a de 1857, a de 1861 e a póstuma, de 1868, em que Baudelaire ainda trabalhou — mostram a preocupação do autor com esse aspecto.
Paradoxalmente, tal rigor foi ressaltado até mesmo pela censura a alguns de seus poemas. Seis deles foram proibidos, e Baudelaire fez menção ao fato de que isso perturbava a organização de seu livro. Assim, de início pensou em simplesmente os substituir por outros seis, mas acabou escrevendo um número bem maior, 35, além de remanejar poemas e criar uma nova seção, “Quadros parisienses”, que, segundo Robert Kopp, em seu “modernismo leva diretamente aos Pequenos poemas em prosa”,9 livro considerado o par de As flores do mal. Nessa seção se encontra de forma mais evidente a temática urbana, tão presente nos poemas em prosa, que estabeleceram uma renovada perspectiva de criação para Baudelaire.
Nas publicações dos poemas em periódicos antes de sua reunião em livro, foram anunciados, para o então futuro volume, alguns títulos diferentes do definitivo. Eram eles de algum modo indicadores de pontos de convergência do universo poético de As flores do mal. Inicialmente, houve o título “Les lesbiennes”, a respeito do qual há consenso de que, na época, seu sentido era sobretudo o de mulher dada a prazeres, devassa. A seguir, houve o título “Les limbes”, que, sob provável influência de Dante, evoca uma descida aos infernos. Ao lado da sucessão dos títulos, havia também sucessivas reelaborações dos poemas, sendo esses aspectos parte de uma organização em processo. Esta foi observada já por um contemporâneo como Barbey d’Aurevilly, para quem em As flores do mal cada poesia “tem, além do êxito dos detalhes ou da fortuna do pensamento, um valor muito importante de conjunto e de situação que não devemos, destacando-a, fazer com que o perca”.10 Segundo ele, há no livro “uma arquitetura secreta, um plano calculado pelo poeta”, de modo que os poemas perderiam muito se lidos isoladamente e fora do contexto de sua organização. Expostas em um texto que faz a defesa de um livro que pela censura seria amputado de alguns poemas, as considerações de Barbey d’Aurevilly foram a seguir relativizadas, mas a existência da organização do livro é indiscutível. Assim, F. W. Leakey diz: “Acredito que devíamos encarar o arranjo da composição final de Les fleurs du mal não como uma concepção monumental imposta de fora, mas antes como um resultado de organização empírica que de modo algum viola a existência individual e a autonomia dos poemas isolados”.11
A inequívoca organização relaciona-se diretamente com a história da formação e publicação do livro. Hugo Friedrich, ao afirmar que “Les fleurs du mal são o livro arquitetonicamente mais rigoroso da lírica europeia”,12 chama a atenção para o fato de ser possível considerar todas as alterações sofridas pelo livro como adequações ao “molde” a que o poeta se havia proposto, já em torno de 1844. O próprio Baudelaire referiu-se a essa situação mais de uma vez. Em carta a Alfred de Vigny, de dezembro de 1861, dizia:
O único elogio que solicito para este livro é que se reconheça que ele não é um puro álbum e que tem um começo e um fim. Todos os poemas novos foram feitos para serem adaptados ao quadro singular que eu havia escolhido.13
Esse quadro implica ainda os menores detalhes. Os poemas eram trabalhados não apenas em suas minúcias, ou seja, tendo em vista determinado elemento isolado, mas levando em conta as relações com outros poemas ou com o conjunto do livro.
Para tratar desse aspecto, isto é, o que de modo simplificado pode ser considerado a elaboração dos poemas, Yves Bonnefoy emprega o termo “composição”.14 Esta encontra-se no centro da produção poética de Baudelaire. Deriva de Edgar Allan Poe, ou melhor, de todo o interesse que Baudelaire dedicou à obra do escritor norte-americano. Por composição entenda-se a busca de um verso que “valesse pelo efeito de conjunto que produziria uma forma que unisse som e sentido”.
Essa proximidade entre os dois autores, Baudelaire e Poe, e a atitude diante da elaboração dos textos já haviam sido salientadas no artigo de Paul Valéry aqui referido. Ao apresentar sumariamente algumas características de Poe, Valéry parece buscá-las para justamente as apontar no próprio Baudelaire:
O demônio da lucidez, o gênio da análise e o inventor das combinações mais novas e mais sedutoras da lógica com a imaginação, do misticismo com o cálculo, o psicólogo da exceção, o engenheiro literário que aprofunda e utiliza todos os recursos da arte, aparecem-lhe em Edgar Poe e o maravilham.
Esses aspectos são naturalmente de caráter geral, englobando assim uma multiplicidade de elementos constituintes dessa poesia.
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