A seguir, guinchos agudos e desagradáveis fizeram-se ouvir. Estavam por toda a minha volta, como se dezenas de criaturas estivessem caindo sobre mim. De fato, no instante seguinte, eu os vi, descendo do alto das árvores pelos cipós. Eram bichos com o corpo totalmente coberto de pelos. Tinham dois braços, duas pernas, olhos, nariz e boca – mas nunca vi ser algum com aspecto mais desagradável em toda a minha vida.

Deram de pular de um lado a outro, à minha volta, fazendo caretas medonhas. Um e outro, mais atrevido, saltava e agarrava-se a mim, me empesteando com o cheiro forte de seus pelos. À medida que os afastava, tornavam-se mais agressivos. Logo estavam me puxando, cada um para si, e me agredindo com uma espécie de beliscão, bastante dolorido. Reagi chutando um deles para longe de mim. Tinham a metade da minha altura, mais ou menos. Só que o bando todo enfureceu-se de vez, passando a urrar e a bufar. Compreendi que estava correndo sério risco de ser estraçalhado por aqueles monstrinhos sem inteligência.

Foi então que ouvi um som forte de galope se aproximando. Os bichos peludos, que, como vim a saber, eram chamados de yahoos, recuaram amedrontados e logo se esconderam de volta na mata. Na trilha, em sentido contrário ao que eu seguia, surgiu um belíssimo cavalo – um animal de aparência nobre, fortíssimo, uma montaria de causar inveja a um imperador.

Ele deteve seu trote a poucos metros de mim. Eu estava fascinado com o animal, tentando imaginar a quem poderia pertencer, porque, apesar de não portar arreios, não se tratava de um cavalo bravo, obviamente. O que me deixou intrigado foi o cavalo me examinar com interesse, às vezes fixando seus olhos nos meus, como se tentasse me dizer alguma coisa.

Tentei acariciá-lo, mas em vão. Ele desviou seu majestoso pescoço e não permitiu que eu encostasse a mão nele. E também não me deixou seguir adiante, na trilha. Toda vez que eu tentava caminhar, ele se colocava à minha frente, barrando minha passagem. Ficamos alguns instantes entretidos nesse jogo, quando um outro galope se fez ouvir, dessa vez mais alto do que o anterior.

Eram dois cavalos que vinham se reunir ao primeiro. Ficaram os três, um diante do outro, trocando relinchos de um modo que, para meu espanto, mais parecia uma conversa. E era evidente que estavam discutindo sobre mim. De vez em quando, alongando o pescoço, um deles me designava para os outros, que sacudiam a cabeça, em sinal de assentimento ou de reprovação.

Comecei a reconhecer algumas palavras. Quando falavam de si, frequentemente pronunciavam a expressão houyhnhnm. Quando se referiam a mim, eu os ouvia dizer yahoo. Mais tarde, quando descobri que usavam para mim a mesma palavra que servia para designar os desagradabilíssimos bichos peludos, senti-me muito ofendido. Na verdade, ser confundido com um yahoo foi o que ocasionou minha desventura no reino dos houyhnhnms.

Após muita discussão, os dois cavalos que haviam chegado depois, aparentando estar bastante contrariados, retiraram-se galopando apressadamente. O cavalo que me salvara dos yahoos, então, indicou-me o caminho a seguir, por uma outra trilha, mais à frente.

Percorremos uns três quilômetros, até chegar a uma construção muito extensa, feita com troncos fincados no chão e com teto de palha. Por todo lado, eu via yahoos trabalhando, sob a vigilância de outros cavalos, que não deixavam de me fitar com um brilho de estranheza nos olhos.

O cavalo que me conduzia esperou que eu observasse o ambiente em volta. Parecia admirado de eu estar manifestando capacidade de ver e analisar tudo aquilo.