Escutou por horas, bastante interessado. Vez por outra, algum espectro doméstico atravessava o salão. Percebi que esses seres não caminhavam com os pés no chão. De fato, não podia deixar de me sobressaltar, por estar cercado de servos tão espantosos.
Ao final de nossa conversa, Sua Majestade ofereceu-se para convocar algum falecido a quem eu tivesse o desejo de perguntar qualquer coisa. Apesar do medo que isso me causou, não resisti e pedi que chamasse Alexandre Magno, o grande guerreiro que, da Macedônia, conquistou o mundo de sua época. Com um estalo de dedos, Sua Majestade trouxe-o ao salão. Aí foi a vez de Alexandre contar suas histórias, o que fez de muito boa vontade... Foi inesquecível escutar da própria boca do imperador grego a sua versão das batalhas, das intrigas políticas e de seus escandalosos amores.
Depois de alguns dias, o ambiente lúgubre da ilha já começava a me dar nos nervos. Aconselharam-me a ir de barco até uma ilha vizinha, chamada Luggnagg, por onde Labuta passaria voando, em breve. Assim fiz. Luggnagg era conhecida também como a Ilha dos Imortais.
No alto dos morros, em casebres rústicos, moravam esses seres, sem contato com os demais habitantes da ilha. A princípio, me encantei com a existência de pessoas que não precisavam temer a morte. Aos poucos, entretanto, foram me esclarecendo sobre o padecimento sem fim a que estavam condenados...
Todos sentiam-se exaustos, com o peso dos séculos sobre seus pensamentos, e impedidos de descansar. Não falavam mais com ninguém, não tinham vontade de fazer mais nada, já que para eles tanto fazia realizar, fosse o que fosse, hoje, amanhã ou daqui a mil anos. Viviam, enfim, à espera de uma salvação que não viria... nunca!
Confesso que, de todas as coisas extraordinárias que conheci naquelas ilhas, foram exatamente os imortais que mais me impressionaram. Senti uma angústia profunda, apenas por saber de sua existência. Creio que esse sentimento foi o que fez crescer dentro de mim o desejo de retornar à minha própria terra, ao meu lar.
Quando Labuta passou de novo pelos céus, embarquei nela, decidido a empreender a viagem de volta. Por sorte, a ilha sobrevoou o Japão, já que os diplomatas dos dois reinos tinham negócios a resolver. Ali permaneci alguns meses, até que um navio com a bandeira de meu país me recolheu e me levou para casa.
Os houyhnhnms
Permaneci em minha terra, com parentes e amigos, até setembro de 1710, quando fui tomado pela vontade irresistível de viajar de novo. Assim, embarquei no Adventure, agora na condição de capitão do navio. Mal surgiram as primeiras dificuldades – uma tempestade sem maiores consequências –, a tripulação amotinou-se.
Fui aprisionado em meu camarote, com os pés e mãos amarrados. Assim me mantiveram por muitos meses, até que, passando por uma terra desconhecida, a tripulação me atirou num bote. Estavam resolvidos a se tornar piratas e queriam apenas livrar-se de mim. Creio até que devo me dar por satisfeito por não ter sido morto por eles e jogado aos tubarões, que infestavam aquelas águas, como logo pude notar.
Assim que desembarquei na praia, admirei-me com a quantidade de rastros de patas de cavalos na areia. Pude até reconhecer sinais da passagem de outros animais, mas os dos cavalos estavam em maioria. Resolvi então caminhar por uma trilha que seguia para dentro da mata.
A trilha avançava sinuosamente, ladeada pela vegetação cerrada. As árvores eram enormes, seculares. A trama de cipós parecia nunca ter sido tocada pelo homem. No entanto, eu pressentia alguma coisa, como se estivesse sendo seguido, ou como se me vigiassem, lá do meio daquela folhagem sem fim.
Num determinado momento, não consegui mais me conter e berrei:
– Quem está aí? Apareça de uma vez! Vamos!
Um silêncio incomum tomou conta da paisagem.
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