Meus captores sentiram-se ameaçados. Uma chuva de flechas foi despejada sobre meu rosto, enquanto um batalhão deles avançou, atingindo-me com suas lanças na altura das costelas. Aquelas espetadelas me incomodaram um bocado. Ali estavam em torno de mim alguns milhares de liliputianos, que era o nome desse povo, como mais tarde vim a aprender. Se todos me atacassem, poderiam acabar comigo. Além do mais, eu estava muito enfraquecido – não comia nem bebia desde o naufrágio. Resolvi me aquietar, levando apenas a mão à boca, tentando fazê-los entender que tinha fome.
Diversas escadas foram assentadas nas laterais de meu corpo. Por elas, subiram quase uma centena de homens transportando cestas com pedaços de carne. Atiravam o conteúdo das cestas na minha boca – duas ou três de cada vez – e desciam para ir buscar mais. E vieram também barris de um vinho delicioso, que foram erguidos por guindastes. Levaram mais ou menos uma hora para me alimentar.
Havia entre eles um grupo vestido mais ricamente. Eram aqueles que davam as ordens. Notei que alguns argumentavam, com raiva, apontando para mim – o que me preocupou. Outros tentavam convencê-los de alguma coisa... Sei apenas que, ao fim dessa conversa toda, os liliputianos puseram-se a construir uma plataforma sobre rodas que, pelo tamanho colossal em relação a eles, entendi que serviria para me transportar.
Tal era a quantidade de indivíduos empenhados no trabalho que, em poucas horas, a plataforma ficou pronta. Então, um dos membros do grupo no comando foi erguido, num palanque, à altura do meu rosto. Através de sinais e de um discurso do qual eu compreendi o tom de ameaça, avisou que os fios que me atavam ao solo seriam cortados. Tudo o que eu devia fazer era deitar-me na plataforma. Se tentasse qualquer outro movimento, o exército liliputiano – e apontou para as centenas de soldados armados que me tinham na mira de seus arcos, naquele exato momento – me liquidaria.
Obedeci às instruções. A plataforma foi atrelada a uma infinidade de animais – bois de carga e cavalos. Alguns membros do tal grupo mostravam-se bastante descontentes. Sacudiam a cabeça e resmungavam entre si, sempre com raiva. No momento, eu nada podia fazer, a não ser me sujeitar à viagem. A distância era curta, mas os liliputianos demoraram o dia inteiro para arrastar-me a bordo da plataforma.
Na manhã seguinte, fui despertado pelo alvoroço deles em torno de mim. Ergui um pouco a cabeça e, para meu espanto, num vale abaixo estava a cidade em que moravam: Lilipute.
Não havia jeito de fazer a plataforma passar pelos portões da amurada. Vários artesãos foram convocados para fabricar as correntes e cadeados com que me prenderam a uma torre na entrada. Só então o rei de Lilipute veio me conhecer.
O rei era bastante jovem. Ao descer da carruagem, os nobres da corte – o grupo que vinha comandando os liliputianos – se inclinaram, reverentemente. Mas, a seguir, um autêntico bate-boca, que esteve prestes a chegar à troca de agressões físicas, se estabeleceu em torno de Sua Majestade. Entendi imediatamente que se dava ali a mesma discussão sobre meu destino e que os nobres esperavam que o rei decidisse alguma coisa.
Mas Sua Majestade deixou seus nobres brigar à vontade entre si.
1 comment