Claro que, depois disso, Blefescu apresentou sua rendição, sob a ameaça de o Homem-Montanha, que era como me chamavam, invadir sua capital e destruí-la.
Entretanto, logo depois dessa batalha, se é que se pode chamá-la assim, tive aquele desentendimento com Sua Majestade. Meus inimigos aproveitaram para atiçar o rei contra mim. Reparei que o rei, que antes vinha me visitar todo dia, não aparecia mais. E, uma noite, escondido, aquele meu amigo, o comerciante, um homem rico que conhecia muita gente na corte, veio me prevenir de que o rei estava praticamente convencido da necessidade de mandar me matar.
Acontece que, de fato, as reservas de alimento do reino estavam se acabando. Com Blefescu derrotado – aliás, esse era o objetivo dos nobres que me defenderam, desde o início –, não havia mais razão para me manterem vivo. “E Sua Majestade mesmo viu como o Homem-Montanha anda atrevido...”, alegavam.
Poriam veneno no vinho que me serviam, para acabar comigo. Só que havia mais uma coisa... um segredo guardado pelos nobres do reino – parecia que nem mesmo o rei estava informado –, mas que meu amigo descobrira, graças às suas relações...
Semanas depois de eu ter sido encontrado no litoral, um bote foi jogado pelas ondas na areia. Era uma prova, portanto, de minhas histórias, que não desejavam que o povo de Lilipute viesse a conhecer. Meu amigo deu-me indicações precisas de onde fora escondido o bote. Naquela noite mesmo fiz-me ao mar, e nunca mais soube do reino de Lilipute...
O reino dos grandes demais
Depois de muitos dias, quando eu já quase acreditava que iria morrer abandonado no oceano, finalmente fui recolhido por um barco – o Adventure. Estávamos no dia 20 de junho de 1702. Precisavam a bordo de um cirurgião com experiência. Portanto, fui aceito na tripulação, já pensando em retornar ao meu país, brevemente.
Entretanto, o Adventure estava com problemas. Vinha de uma longa viagem de comércio que o levara a cruzar o cabo da Boa Esperança. Ao norte de Madagascar, enfrentara uma tempestade que o fizera perder o rumo. Para resumir a história, não havia nem água nem comida a bordo; mas, quando avistamos uma ilha, que por sinal não constava em nosso mapa, vimos ali a oportunidade de nos salvar.
Um bote foi descido, com cinco homens. Eu estava entre eles. Alcançamos a praia e logo nos impressionamos com o tamanho da vegetação que crescia por ali. Resolvemos nos separar, com o objetivo de reconhecer o local. Eu estava, portanto, caminhando, sempre cercado por aquelas plantas gigantescas, quando escutei a gritaria dos homens na praia. Cheguei a tempo de ver o bote se afastando, no mar, com meus quatro companheiros tomados de pavor, remando desesperadamente.
Foi então que escutei um rumor, como se o mundo tremesse. Às minhas costas, do meio da vegetação, surgiu um rosto do tamanho de um navio com suas velas enfunadas. Fiquei paralisado, mesmo quando a mão gigantesca estendeu-se para me apanhar.
Aquela coisa balançou-me no ar, junto de seus olhos. Comecei a gritar, com todas as minhas forças. Tinha receio de que ele me esmagasse entre os dedos, ou me deixasse cair. Parece que meus berros fizeram o ser tornar-se ainda mais curioso a meu respeito. Enfiou-me no bolso, onde, de puro medo, acabei desmaiando.
Quando acordei, a primeira coisa que pensei foi que estivesse de volta ao oceano. Na verdade, como logo fui descobrir, estava sobre uma cama, coberta por uma colcha de cetim azul, e, ainda por cima, no quarto da princesa de Brobdingnag. Fora levado ao palácio pelo jardineiro – o homem que me capturara.
1 comment