Foi o meu instinto que me despertou: estava correndo sério perigo de vida.
Ainda sem entender do que se tratava aquela superfície ondulante pela qual eu caminhava, percebi uma sombra aproximando-se de mim. Ergui-me de um salto, para ver direito... era uma ratazana gigante!
Saquei minha espada diante do repugnante animal. A ratazana avançava, com seus olhos brilhando. Eu, acostumado a caçar, nunca me sentira numa situação como aquela. Aquele animal considerava-me seu alimento e queria me devorar.
Percebendo que me movia, a ratazana deu o bote. Só que avaliara apenas meu tamanho e, como era visivelmente mais fraco do que ela, achou que poderia me abocanhar. Não contava receber uma estocada, que varou um de seus olhos. Enlouquecida de dor, a ratazana colocou-se de pé nas patas traseiras. Não me intimidei. Avancei sobre ela, com minha espada à frente, procurando feri-la onde julgava estar seu coração. Dessa vez, minha arma cravou-se fundo nela. O bicho soltou um guincho pavoroso e tombou sobre mim.
Nesse exato instante, escutei atrás de mim um grito que quase me fez desmaiar outra vez. Parecia um trovão colossal, bem às minhas costas. Tratava-se, no entanto, da princesa, que acabava de retornar ao quarto para ver se eu já despertara e dera com a ratazana morta. Pensou que o animal tivesse acabado comigo.
Quando me retiraram de baixo da ratazana e perceberam o que havia acontecido, ficaram muito admirados. Só então, como vim a saber depois, deram-se conta de que eu não era um “animalzinho estranho”, conforme fora descrito pelo jardineiro da princesa, mas um ser inteligente. Ficaram curiosos ao ver minha espada, minhas roupas, que só então perceberam que não eram a minha pele, e, principalmente, as tentativas que fiz de comunicar-me com eles.
A princesa era ainda uma menina. Tinha nove anos. Seu nome é impronunciável, para mim, até hoje. Ela havia me deixado em cima de sua cama, por um instante apenas, para ir buscar uma gaiolinha, que passou a ser meu lar. Ou melhor... A princesa gostava de mim e me deixava solto, em seu quarto, cuidando apenas que ninguém pisasse em mim, por distração. Eu era colocado na gaiola toda vez que ela precisava sair sem me levar – o que era raro, já que não gostava de separar-se de mim.
Logo, tornei-me a principal atração da corte. O rei, pai de minha dona, mandou chamar seus maiores sábios, a fim de explicarem o que eu era. Examinaram-me demoradamente, e a conclusão deles foi curiosa...
Segundo os sábios, eu não podia ser um anão, já que o anão da corte, que media algo em torno de doze metros, era “o menor homem do mundo”. E, obviamente, eu não fora criado segundo a lógica da natureza que criara os homens “normais” – eles próprios. Logo, eu não existia.
O rei deve ter ficado um tanto confuso. Eu estava ali diante deles, sorrindo, pois já começara a entender o idioma falado em Brobdingnag o suficiente para saber o que estava acontecendo. Ou talvez tenha começado a desconfiar do conhecimento de seus sábios, quem sabe?!
O importante foi que minha dona recebeu permissão para continuar comigo.
1 comment