Fiquei feliz, a princesa me tratava com carinho. Mas, naquele dia, fiz um inimigo mortal: o anão da corte.

Quem mais iria prestar atenção em um anão que se dizia o menor homem do mundo, quando ali estava eu, seis vezes menor? Eu atraía, sem querer, é claro, muito mais atenção do que o anão real. O maldoso, então, passou a me perseguir. Quando podia, me jogava no chão ou nos pratos de sopa, em que eu poderia até me afogar, se não fosse “pescado”. Era humilhante ser tão pequeno e indefeso...

Se não fosse esse anão, eu poderia até me sentir bem naquela terra. Estava maravilhado com o poder daqueles seres, que construíam edifícios que, sob o meu olhar, pareciam quase alcançar os céus. E logo minha dona resolveu que eu merecia mais do que morar numa gaiola. Afinal, conversávamos muito – era ela a única a quem confiava as histórias sobre o mundo de onde havia vindo. Já estava algo escolado, depois da experiência de Lilipute. E até me preocupava com o que poderia acontecer ao meu país, e aos países vizinhos, se aqueles gigantes todos descobrissem que existiam terras no mundo controladas por seres do meu tamanho.

A princesa mandara construir uma casa para mim. Trouxera artesãos muito competentes, que, com lupas de aumento e ferramentas mínimas, fabricaram não só a residência, como todo o mobiliário do interior. Minha dona divertia-se me vendo, através das janelas da sala, fazer coisas tão triviais quanto sentar-me numa poltrona para fumar meu cachimbo e pensar na vida.

Mas, como disse, o anão não me aturava. Um dia, o desgraçado fez entrar no quarto da princesa um chimpanzé. Minha dona estava no salão de audiências, recebendo convidados ao lado do rei. O animal não demorou muito a me descobrir dentro da minha casa. Começou a guinchar feito doido e a sacudir a estrutura de madeira que ficava pendurada por uma alça a uma haste de ouro.

Lá dentro, minha situação era desesperadora. Os móveis voavam, eu tentava me agarrar, sem ter como me proteger; enquanto isso, adivinhando minha aflição, o anão soltava sua desagradável gargalhada. Finalmente, o símio conseguiu derrubar a casa no chão, apanhou-a e fugiu pela janela.

Foi a vez de o anão se apavorar – ele temia ser castigado se eu me ferisse ou fosse morto. Gritou para o macaco retornar, mas em vão. O bicho acabou me soltando no telhado do palácio.

A princesa foi informada do que estava acontecendo. Correu com vários empregados do castelo para o jardim, do lado de fora. Ela gritava para eu me acalmar, que logo seria resgatado. De repente, senti-me elevado nos ares. Olhei pela janela, e foi a última vez que vi o rosto de minha dona, muito aflita, apontando para o alto. Estiquei um pouco mais o pescoço e então vi o que havia ocorrido...

Uma imensa águia agarrara a alça de minha casa nas garras e logo após voou comigo a uma altura inimaginável.

Acreditei que estava realmente perdido. Não sei por quanto tempo a ave me carregou. Enfim, talvez cansada, me largou. Fui despencando, até que a casa caiu no mar. As almofadas e os colchões de meu quarto me protegeram na queda, de modo que acordei, algumas horas depois, e minha casa estava boiando sobre as ondas.

Por melhores que fossem os artesãos de Brobdingnag, aquela construção não fora projetada para navegar. Imaginei que ela logo afundaria e me carregaria junto.