Entretanto, para minha sorte, e antes que a água começasse a se infiltrar, fui avistado e recolhido pelos marinheiros do navio Hopewell – um sólido cargueiro de trezentas toneladas. A princípio, recusaram-se a acreditar em minha história. No entanto, aquela casa boiando em pleno mar, e com a enorme alça no alto, como se fosse um artefato para dependurar gaiolas, constituía-se num mistério...
A única saída que tiveram foi aceitar minhas palavras, que afinal contavam, rigorosamente, a verdade.
A ilha voadora
Corria o mês de agosto de 1706. O Hopewell estava navegando com destino à Ásia Menor. Fazia já três dias que eu estava a bordo quando, a distância, avistamos um navio pirata. Ora, apesar de seu tamanho, o Hopewell não estava equipado para uma batalha. Ainda tentamos fugir, mas os bucaneiros enfunaram suas velas e nos alcançaram – logo, seríamos abordados. Os piratas caíram sobre nós furiosamente, dispostos a nos cortar a garganta com suas espadas demoníacas.
Eram japoneses, à exceção de um deles, um holandês que parecia ter muita influência sobre o comandante. Dirigi-me a ele em sua língua, que havia aprendido em viagens pelos mares do Norte. Pedi que tivessem pena de nós. Afinal, éramos cristãos, assim como ele.
Ao contrário do que supus, isso só serviu para irritá-lo. Puxou-me pelos cabelos e me jogou dentro de um bote, que fez descer ao mar, sem provisões de água e de alimento. A seguir, apontou um dos canhões da amurada para a embarcação, jurando aos berros que abriria fogo se eu não me afastasse imediatamente.
Nada me restava a não ser obedecer-lhe. Comecei a remar, certo de que dessa vez a sorte não me pouparia. Por três dias, vaguei perdido no oceano, até que, numa manhã, o céu escureceu sobre mim. A bordo daquele bote tão frágil, uma tempestade representaria o mesmo que uma sentença de morte. Mas havia algo estranho acontecendo...
Quando olhei para o céu, em vez de uma nuvem carregada, o que avistei foi uma colossal massa de terra em pleno ar, cobrindo o sol, exatamente acima de mim. Mais espantado fiquei quando um gancho baixou de algum lugar e me fisgou, puxando-me para cima.
À medida que fui sendo içado, pude perceber que as pessoas, naquela ilha, sentavam-se nas bordas dela, parecendo de lá estar olhando fixamente para o horizonte sem nenhuma outra atividade aparente. Uma pequena multidão estava à minha espera. Falavam um idioma próximo ao italiano, que também conheço de outras aventuras; e a ilha voadora era a capital do Reino de Labuta.
Apesar da curiosidade que despertei a princípio, estranhamente, as pessoas logo se desinteressaram de mim e se afastaram como se houvessem me esquecido. Os labutianos tinham os olhos como que revirados para cima. Logo notei que estavam sempre entregues a profundas reflexões. Na verdade, ocupavam-se apenas das especulações matemáticas e da mais refinada harmonia musical. Tudo o mais no mundo pouco lhes importava. Ninguém perguntou de onde eu tinha vindo nem coisas da minha terra e das outras que conheci. Deixaram-me passeando pela ilha, que era cheia de regatos e de árvores frutíferas.
Depois de caminhar um pouco, cheguei ao que entendi que fosse um castelo. Parecia abandonado. Tinha longuíssimos corredores, cheios de portas fechadas. Abri uma delas – a maior que encontrei – e, para meu grande espanto, lá estava o rei de Labuta. Entendi que era Sua Majestade não apenas pela coroa, mas também porque havia um brasão gravado na parede com o seu título inscrito.
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