Mas Sua Majestade levou mais de uma hora para notar que eu havia entrado no aposento. Constrangido, decidi esperar até receber atenção, enquanto o rei se entregava a uma série de cálculos sem fim, sentado numa escrivaninha.

Quando finalmente ergueu a cabeça, aproveitei para me curvar, respeitosamente:

– Majestade! Gulliver, um viajante, ao seu dispor! Eu...

– Hum, hum! – fez o rei. E me despachou com um gesto.

Chateado, saí daquele castelo. A ilha havia parado sobre uma península, que era uma das províncias do reino. Algumas pessoas desciam para terra, por meio de cadeirinhas, baixadas por correntes. Foi o que decidi fazer.

Cheguei a uma cidade chamada Lagado. Todas as casas que ia encontrando estavam desabando, de tão abandonadas. E ninguém na rua me dava atenção, apesar de meus trajes e de meu tipo físico mostrarem que eu era um estrangeiro. Finalmente, parei numa residência diferente das demais. Era uma imponente mansão de pedra, com um jardim bem cuidado em toda a sua volta.

Buscando uma explicação, chamei ao portão. Logo o dono da casa veio me atender, muito gentil, oferecendo-me uma refeição e um quarto para descansar. Quando contei a ele sobre minha estranheza em relação ao seu país, ele suspirou, tristemente:

– Pois é... E estou quase me decidindo a demolir minha casa, acabar com meus jardins e passar a viver como os demais. As críticas que recebo são muito duras...

– Mas do que se trata, afinal?

– Bem, existe a Academia de Ciências de Lagado, que fica num edifício no centro de nossa cidade, onde sábios estão empenhados em grandes projetos, como fabricar pólvora usando o gelo como matéria-prima, ou aquele que pretende extrair raios de sol dos pepinos. Dedicam-se a isso há décadas, e o povo sente orgulho desses seus sábios. O fato de que os estudos deles até hoje não tenham alcançado resultados práticos não incomoda ninguém. Mas meus compatriotas não aceitam alguém como eu, que, em vez de ocupar meu tempo com reflexões mais sublimes, o desperdiça com coisas tolas, como cuidar da minha casa e dos jardins... Há poucos como eu neste país, e já não aguento mais agir de maneira considerada errada por todos...

Tive muita pena do meu anfitrião. Elogiei enfaticamente sua residência e o bom gosto em que vivia. Lá permaneci até que, na passagem seguinte da ilha voadora, acenei para que descessem a cadeirinha e subi. Em Labuta, me informaram que a próxima parada seria na ilha de Glubbdubdrib, e o que me contaram sobre os fantásticos seres que a habitavam me fez ter vontade de conhecê-la.

Feiticeiros, fantasmas e imortais

Glubbdubdrib fica ao norte do continente que forma o reino de Labuta e a menos de 150 milhas náuticas de Lagado. Segundo entendi, o nome da ilha significa “a terra dos feiticeiros”.

Logo que chegamos, fui visitar o castelo, que na verdade era a residência do chefe da tribo dos feiticeiros. Fiquei horrorizado com os guardas que se postavam de um lado e outro da alameda da entrada. Acontece que a horrorosa expressão no rosto daqueles guardas era de quem não pertencia a este mundo havia anos...

Mal entrei, fui conduzido por um desses seres sobrenaturais à presença do rei. Sua Majestade era um homem alto, moreno, de olhos estranhamente brilhantes, cercados de cavernosas olheiras. Tive a certeza de que ele era um ser humano igual a mim, ao apertar sua mão – que ele me estendeu jovialmente, dispensando a formalidade devida às majestades. O toque quente de sua pele me tranquilizou.

A seguir, entretanto, ele estalou os dedos, e o guarda que me havia levado como que se evaporou subitamente no ar.

– Não se preocupe... – disse ele. – Há muitos outros como ele para nos servir, no reino dos mortos.

Disse aquilo com uma naturalidade que me deu arrepios. Mas fez questão de que eu me sentasse ao seu lado e relatasse todas as minhas viagens e aventuras.