Por sorte, a ilha sobrevoou o Japão, já que os diplomatas dos dois reinos tinham negócios a resolver. Ali permaneci alguns meses, até que um navio com a bandeira de meu país me recolheu e me levou para casa.

Os houyhnhnms

Permaneci em minha terra, com parentes e amigos, até setembro de 1710, quando fui tomado pela vontade irresistível de viajar de novo. Assim, embarquei no Adventure, agora na condição de capitão do navio. Mal surgiram as primeiras dificuldades – uma tempestade sem maiores consequências –, a tripulação amotinou-se.

Fui aprisionado em meu camarote, com os pés e mãos amarrados. Assim me mantiveram por muitos meses, até que, passando por uma terra desconhecida, a tripulação me atirou num bote. Estavam resolvidos a se tornar piratas e queriam apenas livrar-se de mim. Creio até que devo me dar por satisfeito por não ter sido morto por eles e jogado aos tubarões, que infestavam aquelas águas, como logo pude notar.

Assim que desembarquei na praia, admirei-me com a quantidade de rastros de patas de cavalos na areia. Pude até reconhecer sinais da passagem de outros animais, mas os dos cavalos estavam em maioria. Resolvi então caminhar por uma trilha que seguia para dentro da mata.

A trilha avançava sinuosamente, ladeada pela vegetação cerrada. As árvores eram enormes, seculares. A trama de cipós parecia nunca ter sido tocada pelo homem. No entanto, eu pressentia alguma coisa, como se estivesse sendo seguido, ou como se me vigiassem, lá do meio daquela folhagem sem fim.

Num determinado momento, não consegui mais me conter e berrei:

– Quem está aí? Apareça de uma vez! Vamos!

Um silêncio incomum tomou conta da paisagem. A seguir, guinchos agudos e desagradáveis fizeram-se ouvir. Estavam por toda a minha volta, como se dezenas de criaturas estivessem caindo sobre mim. De fato, no instante seguinte, eu os vi, descendo do alto das árvores pelos cipós. Eram bichos com o corpo totalmente coberto de pelos. Tinham dois braços, duas pernas, olhos, nariz e boca – mas nunca vi ser algum com aspecto mais desagradável em toda a minha vida.

Deram de pular de um lado a outro, à minha volta, fazendo caretas medonhas. Um e outro, mais atrevido, saltava e agarrava-se a mim, me empesteando com o cheiro forte de seus pelos. À medida que os afastava, tornavam-se mais agressivos. Logo estavam me puxando, cada um para si, e me agredindo com uma espécie de beliscão, bastante dolorido. Reagi chutando um deles para longe de mim. Tinham a metade da minha altura, mais ou menos. Só que o bando todo enfureceu-se de vez, passando a urrar e a bufar. Compreendi que estava correndo sério risco de ser estraçalhado por aqueles monstrinhos sem inteligência.

Foi então que ouvi um som forte de galope se aproximando. Os bichos peludos, que, como vim a saber, eram chamados de yahoos, recuaram amedrontados e logo se esconderam de volta na mata. Na trilha, em sentido contrário ao que eu seguia, surgiu um belíssimo cavalo – um animal de aparência nobre, fortíssimo, uma montaria de causar inveja a um imperador.

Ele deteve seu trote a poucos metros de mim. Eu estava fascinado com o animal, tentando imaginar a quem poderia pertencer, porque, apesar de não portar arreios, não se tratava de um cavalo bravo, obviamente. O que me deixou intrigado foi o cavalo me examinar com interesse, às vezes fixando seus olhos nos meus, como se tentasse me dizer alguma coisa.

Tentei acariciá-lo, mas em vão. Ele desviou seu majestoso pescoço e não permitiu que eu encostasse a mão nele. E também não me deixou seguir adiante, na trilha.