DIABO: Per força é!
Que te pês, cá entrarás!
Irás servir Satanás,
pois que sempre te ajudou.
ONZENEIRO: Oh! Triste, quem me cegou?
DIABO: Cal'te, que cá chorarás.
Entrando o onzeneiro no batel, onde achou o fidalgo embarcado, diz tirando o barrete:
ONZENEIRO: Santa Joana de Valdês!
Cá é vossa senhoria?
FIDALGO: Dá ò demo a cortesia!
DIABO: Ouvis? Falai vós cortês!
Vós, fidalgo, cuidareis
que estais na vossa pousada?
Dar-vos-ei tanta pancada
com um remo que renegueis!
Vem Joane, o parvo, e diz ao Arrais do Inferno:
PARVO: Hou daquesta!
DIABO: Quem é?
PARVO: Eu soo.
É esta a naviarra nossa?
DIABO: De quem?
PARVO: Dos tolos.
DIABO: Vossa.
Entra!
PARVO: De pulo ou de voo?
Hou! Pesar de meu avô!
Soma, vim adoecer
e fui má-hora morrer,
e nela, pera mi só.
DIABO: De que morreste?
PARVO: De quê?
Samicas de caganeira.
DIABO: De quê?
PARVO: De caga merdeira!
Má rabugem que te dê!
DIABO: Entra! Põe aqui o pé!
PARVO: Houlá! Nom tombe o zambuco!
DIABO: Entra, tolaço eunuco,
que se nos vai a maré!
PARVO: Aguardai, aguardai, houlá!
E onde havemos nós d'ir ter?
DIABO: Ao porto de Lucifer.
PARVO: Ha-á-a...
DIABO: Ó Inferno! Entra cá!
PARVO: Ò Inferno?... Eramá...
Hiu! Hiu! Barca do cornudo.
Pêro Vinagre, beiçudo,
rachador d'Alverca, huhá!
sapateiro da Candosa!
Antrecosto de carrapato!
Hiu! Hiu! Caga no sapato,
filho da grande aleivosa!
Tua mulher é tinhosa
e há-de parir um sapo
chantado no guardanapo!
Neto de cagarrinhosa!
Furta cebolas! Hiu! Hiu!
Excomungado nas erguejas!
Burrela, cornudo sejas!
Toma o pão que te caiu!
A mulher que te fugiu
per'a Ilha da Madeira!
Cornudo atá mangueira,
toma o pão que te caiu!
Hiu! Hiu! Lanço-te üa pulha!
Dê-dê! Pica nàquela!
Hump! Hump! Caga na vela!
Hio, cabeça de grulha!
Perna de cigarra velha,
caganita de coelha,
pelourinho da Pampulha!
Mija n'agulha, mija n'agulha!
Chega o parvo ao batel do anjo e dlz:
PARVO: Hou da barca!
ANJO: Que me queres?
PARVO: Queres-me passar além?
ANJO: Quem és tu?
PARVO: Samica alguém.
ANJO: Tu passarás, se quiseres;
porque em todos teus fazeres
per malícia nom erraste.
Tua simpreza t'abaste
pera gozar dos prazeres.
Espera entanto per i:
veremos se vem alguém,
merecedor de tal bem,
que deva de entrar aqui.
Vem um sapateiro com seu avental e carregado de formas, e chega ao batel infernal, e diz:
SAPATEIRO: Hou da barca!
DIABO: Quem vem i?
Santo sapateiro honrado,
como vens tão carregado?...
SAPATEIRO: Mandaram-me vir assi...
E pera onde é a viagem?
DIABO: Pera o lago dos danados.
SAPATEIRO: Os que morrem confessados
onde têm sua passagem?
DIABO: Nom cures de mais linguagem!
Esta é a tua barca, esta!
SAPATEIRO: Renegaria eu da festa
e da puta da barcagem!
Como poderá isso ser,
confessado e comungado?!...
DIABO: Tu morreste excomungado:
Nom o quiseste dizer.
Esperavas de viver,
calaste dous mil enganos...
Tu roubaste bem trint'anos
o povo com teu mester.
Embarca, eramá pera ti,
que há já muito que t'espero!
SAPATEIRO: Pois digo-te que nom quero!
DIABO: Que te pês, hás-de ir, si, si!
SAPATEIRO: Quantas missas eu ouvi,
nom me hão elas de prestar?
DIABO: Ouvir missa, então roubar,
é caminho per'aqui.
SAPATEIRO: E as ofertas que darão?
E as horas dos finados?
DIABO: E os dinheiros mal levados,
que foi da satisfação?
SAPATEIRO: Ah! Nom praza ò cordovão,
nem à puta da badana,
se é esta boa traquitana
em que se vê Jan Antão!
Ora juro a Deus que é graça!
Vai-se à barca do Anjo, e diz:
Hou da santa caravela,
poderês levar-me nela?
ANJO: A cárrega t'embaraça.
SAPATEIRO: Nom há mercê que me Deus faça?
Isto uxiquer irá.
ANJO: Essa barca que lá está
Leva quem rouba de praça.
Oh! almas embaraçadas!
SAPATEIRO: Ora eu me maravilho
haverdes por grão peguilho
quatro forminhas cagadas
que podem bem ir i chantadas
num cantinho desse leito!
ANJO: Se tu viveras dereito,
Elas foram cá escusadas.
SAPATEIRO: Assi que determinais
que vá cozer ò Inferno?
ANJO: Escrito estás no caderno
das ementas infernais.
Torna-se à barca dos danados, e diz:
SAPATEIRO: Hou barqueiros! Que aguardais?
Vamos, venha a prancha logo
e levai-me àquele fogo!
Não nos detenhamos mais!
Vem um Frade com üa Moça pela mão, e um broquel e üa espada na outra, e um casco debaixo do capelo; e, ele mesmo fazendo a baixa, começou de dançar, dizendo:
FRADE: Tai-rai-rai-ra-rã; ta-ri-ri-rã;
ta-rai-rai-rai-rã; tai-ri-ri-rã:
tã-tã; ta-ri-rim-rim-rã.
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