Huhá!
DIABO: Que é isso, padre?! Que vai lá?
FRADE: Deo gratias! Som cortesão.
DIABO: Sabês também o tordião?
FRADE: Porque não? Como ora sei!
DIABO: Pois entrai! Eu tangerei
e faremos um serão.
Essa dama é ela vossa?
FRADE: Por minha la tenho eu,
e sempre a tive de meu,
DIABO: Fezestes bem, que é fermosa!
E não vos punham lá grosa
no vosso convento santo?
FRADE: E eles fazem outro tanto!
DIABO: Que cousa tão preciosa...
Entrai, padre reverendo!
FRADE: Para onde levais gente?
DIABO: Pera aquele fogo ardente
que nom temestes vivendo.
FRADE: Juro a Deus que nom t'entendo!
E este hábito no me val?
DIABO: Gentil padre mundanal,
a Berzebu vos encomendo!
FRADE: Corpo de Deus consagrado!
Pela fé de Jesu Cristo,
que eu nom posso entender isto!
Eu hei-de ser condenado?!...
Um padre tão namorado
e tanto dado à virtude?
Assi Deus me dê saúde,
que eu estou maravilhado!
DIABO: Não curês de mais detença.
Embarcai e partiremos:
tomareis um par de ramos.
FRADE: Nom ficou isso n'avença.
DIABO: Pois dada está já a sentença!
FRADE: Pardeus! Essa seria ela!
Não vai em tal caravela
minha senhora Florença.
Como? Por ser namorado
e folgar com üa mulher
se há um frade de perder,
com tanto salmo rezado?!...
DIABO: Ora estás bem aviado!
FRADE: Mais estás bem corregido!
DIABO: Dovoto padre marido,
haveis de ser cá pingado...
Descobriu o Frade a cabeça, tirando o capelo; e apareceu o casco, e diz o frade:
FRADE: Mantenha Deus esta c'oroa!
DIABO: ó padre Frei Capacete!
Cuidei que tínheis barrete...
FRADE: Sabê que fui da pessoa!
Esta espada é roloa
e este broquel, rolão.
DIABO: Dê Vossa Reverença lição
d'esgrima, que é cousa boa!
Começou o Frade a dar lição d'esgrima com a espada e broquel, que eram d'esgrimir, e diz desta maneira:
FRADE: Deo gratias! Demos caçada!
Pera sempre contra sus!
Um fendente! Ora sus!
Esta é a primeira levada.
Alto! Levantai a espada!
Talho largo, e um revés!
E logo colher os pés,
que todo o al no é nada!
Quando o recolher se tarda
o ferir nom é prudente.
Ora, sus! Mui largamente,
cortai na segunda guarda!
- Guarde-me Deus d'espingarda
mais de homem denodado.
Aqui estou tão bem guardado
como a palhá n'albarda.
Saio com meia espada...
Hou lá! Guardai as queixadas!
DIABO: Oh que valentes levadas!
FRADE: Ainda isto nom é nada...
Demos outra vez caçada!
Contra sus e um fendente,
e, cortando largamente,
eis aqui sexta feitada.
Daqui saio com üa guia
e um revés da primeira:
esta é a quinta verdadeira.
- Oh! quantos daqui feria!...
Padre que tal aprendia
no Inferno há-de haver pingos?!...
Ah! Nom praza a São Domingos
com tanta descortesia!
Tornou a tomar a Moça pela mão, dizendo:
FRADE: Vamos à barca da Glória!
Começou o Frade a fazer o tordião e foram dançando até o batel do anjo desta maneira:
FRADE: Ta-ra-ra-rai-rã; ta-ri-ri-ri-rã;
rai-rai-rã; ta-ri-ri-rã; ta-ri-ri-rã.
Huhá!
Deo gratias! Há lugar cá
pera minha reverença?
E a senhora Florença
polo meu entrará lá!
PARVO: Andar, muitieramá!
Furtaste esse trinchão, frade?
FRADE: Senhora, dá-me à vontade
que este feito mal está.
Vamos onde havemos d'ir!
Não praza a Deus coa a ribeira!
Eu não vejo aqui maneira
senão, enfim, concrudir.
DIABO: Haveis, padre, de viir.
FRADE: Agasalhai-me lá Florença,
e compra-se esta sentença:
ordenemos de partir.
Tanto que o Frade foi embarcado, veio üa Alcoviteira, per nome Brízida Vaz, a qual chegando à barca infernal, diz desta maneira:
BRÍZIDA: Hou lá da barca, hou lá!
DIABO: Quem chama?
BRÍZIDA: Brízida Vaz.
DIABO: E aguarda-me, rapaz?
Como nom vem ela já?
COMPANHEIRO: Diz que nom há-de vir cá
sem Joana de Valdês.
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