Como? Por ser namorado

e folgar com üa mulher

se há um frade de perder,

com tanto salmo rezado?!...

DIABO: Ora estás bem aviado!

FRADE: Mais estás bem corregido!

DIABO: Dovoto padre marido,

haveis de ser cá pingado...

 

Descobriu o Frade a cabeça, tirando o capelo; e apareceu o casco, e diz o frade:

 

FRADE: Mantenha Deus esta c'oroa!

DIABO: ó padre Frei Capacete!

Cuidei que tínheis barrete...

FRADE: Sabê que fui da pessoa!

Esta espada é roloa

e este broquel, rolão.

DIABO: Dê Vossa Reverença lição

d'esgrima, que é cousa boa!

 

Começou o Frade a dar lição d'esgrima com a espada e broquel, que eram d'esgrimir, e diz desta maneira:

 

FRADE: Deo gratias! Demos caçada!

Pera sempre contra sus!

Um fendente! Ora sus!

Esta é a primeira levada.

Alto! Levantai a espada!

Talho largo, e um revés!

E logo colher os pés,

que todo o al no é nada!

Quando o recolher se tarda

o ferir nom é prudente.

Ora, sus! Mui largamente,

cortai na segunda guarda!

- Guarde-me Deus d'espingarda

mais de homem denodado.

Aqui estou tão bem guardado

como a palhá n'albarda.

Saio com meia espada...

Hou lá! Guardai as queixadas!

DIABO: Oh que valentes levadas!

FRADE: Ainda isto nom é nada...

Demos outra vez caçada!

Contra sus e um fendente,

e, cortando largamente,

eis aqui sexta feitada.

Daqui saio com üa guia

e um revés da primeira:

esta é a quinta verdadeira.

- Oh! quantos daqui feria!...

Padre que tal aprendia

no Inferno há-de haver pingos?!...

Ah! Nom praza a São Domingos

com tanta descortesia!

 

Tornou a tomar a Moça pela mão, dizendo:

 

FRADE: Vamos à barca da Glória!

 

Começou o Frade a fazer o tordião e foram dançando até o batel do anjo desta maneira:

 

FRADE: Ta-ra-ra-rai-rã; ta-ri-ri-ri-rã;

rai-rai-rã; ta-ri-ri-rã; ta-ri-ri-rã.

Huhá!

Deo gratias! Há lugar cá

pera minha reverença?

E a senhora Florença

polo meu entrará lá!

PARVO: Andar, muitieramá!

Furtaste esse trinchão, frade?

FRADE: Senhora, dá-me à vontade

que este feito mal está.

Vamos onde havemos d'ir!

Não praza a Deus coa a ribeira!

Eu não vejo aqui maneira

senão, enfim, concrudir.

DIABO: Haveis, padre, de viir.

FRADE: Agasalhai-me lá Florença,

e compra-se esta sentença:

ordenemos de partir.

 

Tanto que o Frade foi embarcado, veio üa Alcoviteira, per nome Brízida Vaz, a qual chegando à barca infernal, diz desta maneira:

 

BRÍZIDA: Hou lá da barca, hou lá!

DIABO: Quem chama?

BRÍZIDA: Brízida Vaz.

DIABO: E aguarda-me, rapaz?

Como nom vem ela já?

COMPANHEIRO: Diz que nom há-de vir cá

sem Joana de Valdês.

DIABO: Entrai vós, e remarês.

BRÍZIDA: Nom quero eu entrar lá.

DIABO: Que sabroso arrecear!

BRÍZIDA: No é essa barca que eu cato.

DIABO: E trazês vós muito fato?

BRÍZIDA: O que me convém levar.

Día. Que é o que havês d'embarcar?

BRÍZIDA: Seiscentos virgos postiços

e três arcas de feitiços

que nom podem mais levar.

Três almários de mentir,

e cinco cofres de enlheos,

e alguns furtos alheos,

assi em jóias de vestir,

guarda-roupa d'encobrir,

enfim - casa movediça;

um estrado de cortiça

com dous coxins d'encobrir.

A mor cárrega que é:

essas moças que vendia.

Daquestra mercadoria

trago eu muita, à bofé!

DIABO: Ora ponde aqui o pé...