— As raparigas gostam de mim, e eu delas, e são muito bondosas, sensatas e talentosas, apesar do que tu chamas disparate da moda. Tu não te preocupas em fazer as pessoas gostar de ti, em estar em sociedade nem em cultivar os teus modos e gostos. Mas eu, sim, e pretendo aproveitar ao máximo todas as oportunidades que se apresentem. Tu podes andar pelo mundo de cotovelos espetados e nariz no ar, e chamar a isso independência, se quiseres. Eu não sou assim. 

Quando Amy afiava a língua e dizia o que pensava, costumava sair vencedora, porque raramente deixava de ter o senso comum do seu lado, enquanto Jo levava a tal extremo o amor pela liberdade e o ódio aos convencionalismos, que, regra geral, saía derrotada nas discussões. A definição de Amy da ideia que Jo tinha de independência foi tão acertada que ambas desataram a rir e a discussão assumiu um tom mais cordial. Muito contrariada, Jo aceitou por fim sacrificar um dia à Sr.ª Hipocrisia e ajudar a irmã no que considerou «uma coisa disparatada». 

Os convites foram enviados, quase todos aceites, e a segunda-feira seguinte foi escolhida para o grandioso acontecimento. Hannah sentia-se mal-humorada porque a sua semana de trabalho estava transtornada e profetizou que se a roupa não fosse lavada e engomada no dia certo nada mais correria bem. Esta mola da estrutura da engrenagem doméstica teve um efeito pernicioso sobre todo o projeto, mas o lema de Amy era «Nil desperandum» e depois de decidir o que ia fazer avançou com o seu plano, apesar de todos os obstáculos. Para começar, a comida de Hannah não saiu bem; o frango estava duro, a língua demasiado salgada e o chocolate não fez uma boa espuma. Depois, o bolo e o gelado foram mais caros do que Amy esperava, e o mesmo aconteceu com a carruagem; e diversas outras despesas, que pareciam irrisórias quando tudo começou, não paravam de subir de uma forma bastante alarmante. Beth constipou-se e ficou de cama, Meg teve uma quantidade invulgar de visitas que a mantiveram em casa e Jo estava num estado de ânimo tão dividido, que as interrupções, acidentes e erros foram demasiado numerosos, graves e desesperantes. 

— Se não fosse a mãe, nunca teria conseguido terminar as coisas — declarou Amy mais tarde, recordando com gratidão quando «a melhor piada da temporada» foi inteiramente esquecida por todos. 

Se não estivesse bom tempo na segunda-feira, as jovens viriam na terça-feira, uma combinação que deixou a irritação de Jo e Hannah ao rubro. Na segunda-feira de manhã, o tempo estava naquele estado indeciso que exaspera muito mais do que uma chuva torrencial. Chuviscou um pouco, o sol brilhou durante algum tempo, houve um pouco de vento e o tempo só se decidiu quando era demasiado tarde para que outras pessoas tomassem as suas decisões. Amy levantou-se ao amanhecer e começou a chamar toda a gente para que saíssem da cama e tomassem o pequeno-almoço para poderem preparar a casa. A sala de visitas pareceu-lhe especialmente pobre naquele dia, mas, sem parar para suspirar pelo que não tinha, aproveitou ao máximo o que havia, dispondo cadeiras nos sítios mais gastos da carpete, tapando manchas nas paredes com quadros emoldurados com hera e enchendo os cantos vazios com estatuária feita em casa, o que conferiu à divisão um ar artístico, para o qual contribuíram as encantadoras jarras com flores que Jo espalhou por toda a parte. 

O almoço tinha bom aspeto e, enquanto o observava, Amy esperou sinceramente que soubesse bem e que os copos de vidro, as porcelanas e as pratas que pedira emprestadas voltassem sãos e salvos para os seus donos. As carruagens estavam prometidas, Meg e a mãe estavam prontas para fazer as honras, Beth preparou-se para ajudar Hannah na cozinha e Jo comprometera-se a ser tão alegre e amável quanto lhe permitissem a falta de ânimo, uma grande dor de cabeça e uma forte desaprovação de todos e tudo. Enquanto se vestia, já cansada, Amy animou-se ao pensar no feliz momento em que, terminado o almoço, iria passear de carruagem com as amigas para passarem uma tarde de deleites artísticos, pois o charabã e a ponte partida eram os seus pontos fortes. 

Seguiram-se duas horas de indefinição, durante as quais andou entre a sala de visitas e o alpendre, enquanto a opinião pública variava como o cata-vento. Um forte aguaceiro às onze da manhã esfriou indubitavelmente o entusiasmo das jovens senhoras que deviam chegar ao meio-dia, pois ninguém apareceu; e, às duas da tarde, a família exausta sentou-se debaixo de um sol forte a consumir as partes perecíveis do banquete, para que nada se perdesse. 

— Hoje não há dúvida em relação ao tempo; todas virão com certeza, por isso temos de nos despachar para estarmos prontas para recebê-las — disse Amy, quando o sol nasceu no dia seguinte. Falou com vivacidade, mas do fundo do coração desejou não ter dito nada sobre terça-feira, porque o seu interesse, como o bolo, começava a murchar um pouco. 

— Não consegui comprar lagostas, por isso hoje terás de passar sem salada — disse o Sr. March, entrando meia hora mais tarde com uma expressão de plácido desespero. 

— Então, usa-se o frango. Com uma maionese, não se notará que está duro — aconselhou a mulher. 

— A Hannah deixou-o em cima da mesa há instantes e os gatinhos comeram-no. Tenho muita pena, Amy — acrescentou Beth, que continuava a ser uma grande protetora de gatos. 

— Nesse caso, tenho de arranjar uma lagosta a qualquer preço, pois a língua não vai ser suficiente — declarou Amy num tom decidido. 

— Queres que vá à cidade comprar uma? — perguntou Jo com a magnanimidade de uma mártir. 

— Eras capaz de voltar para casa com ela debaixo do braço, sem papel, só para me aborreceres. Eu vou — respondeu Amy, cujo bom humor começava a falhar. 

Com um grande véu a cobrir-lhe a cabeça e munida de um elegante cesto de viagem, fez-se ao caminho sentindo que uma fresca viagem acalmaria o seu espírito inquieto e a prepararia para os trabalhos que a esperavam naquele dia. Demorou algum tempo a encontrar o objeto dos seus desejos e um frasco de molho, para evitar mais perdas de tempo em casa, e regressou, muito satisfeita com a sua prudência. 

Como o autocarro só tinha mais um passageiro, uma velhota sonolenta, guardou o véu no bolso e enganou o tédio tentando descobrir para onde fora todo o seu dinheiro. Estava tão concentrada no papel cheio de teimosos números, que não reparou na entrada de mais um passageiro que tinha subido sem mandar parar o veículo, até ouvir uma voz masculina dizer: «Bom dia, Menina March». Levantou a cabeça e viu um dos mais elegantes amigos universitários de Laurie. Desejando fervorosamente que ele saísse antes de si, Amy ignorou por completo o cesto que tinha aos pés e, congratulando-se por estar a usar o seu novo vestido de sair, retribuiu o cumprimento do jovem com a delicadeza e animação habituais. 

Entenderam-se muito bem e a principal preocupação de Amy depressa foi esquecida, quando soube que o cavalheiro sairia primeiro, e estava a conversar num estilo empolado quando a velhota saiu. A caminho da porta, a senhora tropeçou, bateu no cesto e, oh, horror! a lagosta, em todo o seu vulgar tamanho e brilho, foi revelada aos nobres olhos de um Tudor! 

— Santo Deus, a senhora esqueceu-se do jantar! — exclamou o ignorante jovem, empurrando o monstro escarlate para o seu lugar com a bengala e preparando-se para entregar o cesto à velhota. 

— Por favor, não... é... é meu — murmurou Amy, com o rosto quase tão vermelho como o seu crustáceo. 

— Deveras! Peço desculpa. É uma lagosta fantástica, não é? — disse o jovem Tudor com grande presença de espírito e um ar de sóbrio interesse que fazia jus à sua educação. 

Amy recompôs-se num ápice, pousou com arrojo o cesto em cima do banco e disse, a rir: 

— Tenho a certeza de que gostaria de comer um pouco da salada que ela vai dar e ver as encantadoras jovens que a vão saborear. 

A isto se chama tato, pois duas das principais fraquezas da mente masculina foram tocadas.