O pessoal não pode demorar.

CRIADA — Já estão chegando!

(Vão entrando convidados em grupos alegres. Entram os noivos, de braços dados. Leonardo sai.)

NOIVO — Nunca se viu tanta gente numa boda.

NOIVA (sombria) — Nunca.

PAI — Uma beleza!

MÃE — Vieram famílias inteiras.

NOIVO — Gente que não saía de casa.

MÃE — Seu pai semeou muito e você está colhendo agora.

NOIVO — Havia uns primos meus que eu já nem conhecia mais.

MÃE — Todo o pessoal lá da praia.

NOIVO (alegre) — Se assustaram com os cavalos.

(CONVERSAM.)

MÃE (para a Noiva) — No que está pensando?

NOIVA — Em nada.

MÃE — As bênçãos pesam muito.

(Ouvem-se guitarras.)

NOIVA — Como chumbo.

MÃE (forte) — Mas não devem pesar. Você tem que ser leve como uma pomba.

NOIVA — A senhora fica aqui esta noite?

MÃE — Não. Minha casa está vazia.

NOIVA — Mas devia ficar!

PAI (para a Mãe) — Olhe só o baile que arranjaram! Danças lá da beira do mar.

(Leonardo entra e senta-se. Sua mulher atrás dele, em atitude rígida.)

MÃE — São os primos do meu marido. Duros como pedras para dançar.

PAI — Mas gosto de ver tudo isso. Que mudança para esta casa ! (Sai.)

NOIVO (para a Noiva) — Gostou das flores de laranjeira?

NOIVA (olhando-o fixamente) — Gostei.

NOIVO — São todas de cera. Duram para sempre. Gostaria que cobrissem todo o seu vestido.

NOIVA — Não fazem falta.

(Leonardo sai pela direita.)

PRIMEIRA MOÇA

— Viemos para tirar os seus alfinetes.

NOIVA (ao noivo) — Volto já.

MULHER — Espero que seja feliz com minha prima!

NOIVO — Tenho certeza que sim.

MULHER — Os dois, aqui; sem sair nunca e construindo a casa. Bem que eu queria viver longe assim!

NOIVO — E por que vocês não compram terras? As do monte são baratas, e lá os filhos se criam melhor.

MULHER — Não temos dinheiro. E do jeito que vamos.

NOIVO — Seu marido é bom trabalhador.

MULHER — E, mas gosta de variar demais. Ir de uma coisa para outra. Não é homem tranquilo.

CRIADA — Não tomam nada? (Para a mulher) Vou embrulhar umas roscas de vinho para sua mãe, que ela gosta muito.

NOIVO — Ponha três dúzias.

MULHER — Não, não. Meia dúzia só chega.

NOIVO — Mas hoje é um dia especial.

MULHER (para a Criada) — E Leonardo?

CRIADA — Não o vi.

NOIVO Deve estar com o pessoal.

MULHER — Vou lá ver! (Sai.)

CRIADA — O baile está tão lindo!

NOIVO — E você, não dança?

CRIADA — Ninguém vem me tirar.

(Passam, ao fundo, duas moças; durante todo este ato o fundo será um animado cruzar de figuras.)

NOIVO (alegre) — É que ninguém tem bom gosto. As velhas dengosas como você dançam melhor do que as moças.

CRIADA — Mas agora vai requebrar para o meu lado, mesmo? Que família, a sua! Machos de verdade! Quando era menina, vi as bodas de seu avô. Que figurão! Parecia o casamento de uma montanha!

NOIVO — Eu sou mais baixo que ele.

CRIADA — Mas tem o mesmo brilho nos olhos. E a menina?

NOIVO — Tirando os alfinetes para dar às moças.

CRIADA — Ah, olhe: lá para a meia-noite, como vocês não vão dormir mesmo, vou deixar umas fatias de presunto e uns copos grandes de vinho velho. Na despensa, embaixo. Se precisarem..

NOIVO (sorrindo) — Não como à meia-noite.

CRIADA (com malícia) — Se não quiser comer, a noiva come. (sai.)

PRIMEIRO MOÇO (entrando) — Venha beber conosco!

NOIVO — Estou esperando a noiva.

SEGUNDO MOÇO — Calma, vai ficar com ela a noite toda!

PRIMEIRO MOÇO — Até que vai ser bom!

SEGUNDO MOÇO — Venha, um pouco só.

NOIVO — Vamos.

(Saem. Ouve-se grande algazarra. Entra a noiva. Pelo lado oposto entram duas moças correndo ao seu encontro.)

PRIMEIRA MOÇA — A quem você deu o primeiro alfinete, a mim ou a ela?

NOIVA — Não me lembro.

PRIMEIRA MOÇA — Deu para mim, aqui.

SEGUNDA MOÇA — Foi para mim, na frente do altar.

NOIVA (inquieta e com uma grande luta interior.) — Eu não sei, não sei.

PRIMEIRA MOÇA — É que eu queria que você...

NOIVA (interrompendo-a) — Não me importa. Tenho muito que pensar.

SEGUNDA MOÇA — Desculpe.

(Leonardo atravessa o fundo.)

NOIVA (vendo Leonardo) — E essas horas são tão confusas.

PRIMEIRA MOÇA — Nós ainda não sabemos como é.

NOIVA — Mas vão saber, quando chegar sua hora. Estes passos são passos que custam muito.

PRIMEIRA MOÇA — Ficou aborrecida?

NOIVA — Não. Me desculpem.

SEGUNDA MOÇA — De quê? Mas os dois alfinetes servem para casar, não é?

NOIVA — Os dois.

PRIMEIRA MOÇA — Só que uma se casa antes da outra.

NOIVA — Tem tanta vontade assim?

SEGUNDA MOÇA (envergonhada) — Muita.

NOIVA — Para quê?

PRIMEIRA MOÇA — É que... (Abraçando a Segunda Moça)

(As duas saem correndo. Chega o noivo e, muito devagar, abraça a noiva por trás.)

NOIVA (com grande sobressalto) — Me largue!

NOIVO — Tem medo de mim?

NOIVA — Ah, era você?

NOIVO — E quem podia ser? (Pausa.) Seu pai ou eu.

NOIVA — É mesmo!

NOIVO — Só que seu pai a abraçaria mais de leve.

NOIVA (sombria) Claro!

NOIVO (abraça-a fortemente, de modo um pouco brusco) — Porque é velho.

NOIVA (secamente) — Pare com isso!

NOIVO Por quê? (Deixa-a.)

NOIVA — É que... essa gente toda.