Agora tem lugar — prosseguiu ele, mudando de irónico para circunspecto e grave — uma observação que me esqueceu há dias, quando tive a ventura de pedir-lhe a Sr.ª D. Carlota. Eu, Sr. Norberto, pedi sua filha, simplesmente sua filha; não pedi dinheiro, nem pedirei jamais. Eu conto com recursos próprios para que ela não sinta falta de comodidades que deixou em casa de seus pais. O meu património é a patente que tenho e as bem fundadas esperanças de me aumentar nesta carreira. Não me julgue V. S.ª atido ao dote de sua filha, nem cuide que me afligi com a ameaça de nada lhe dar enquanto vivo. Pode o Sr. Norberto gastar, ou aumentar o que tem, que sua filha não esperará a morte do pai para poder comprar mais um vestido. Faça, portanto, justiça às minhas intenções, e conceda-me que eu dê liberdade a algumas ideias que me estão inquietando e magoando.

V. S.ª não procedeu lealmente comigo, quando me deu, sem reparo, sua filha. Rogo à Sr.ª D. Carlota me consinta este desabafo, porque a clareza, neste momento, é necessária a todos nós, e o amor e o decoro costumam, nas almas nobres, sofrer juntos, quando um deles é ofendido... e agora são ambos.

— Eu não entendo o que V. S.ª aí está a dizer — atalhou Norberto conscienciosamente.

— O Sr. Mendonça... — acudiu Carlota; mas o pejo embargou-lhe a voz.

— Eu queria dizer ao Sr. Norberto de Meireles — tornou Mendonça — que fez V. S.ª mal em dar uma palavra de que se quer desquitar por meios menos honestos, e à custa talvez da minha liberdade. A ida de seu cunhado à capital, e a ordem de eu ir, sem perda de tempo, a Lisboa, escondem uma trama que eu espero desenredar em oito dias. Se o Sr. Norberto e seu cunhado julgaram que uma intriga basta para aniquilar um amor de dois anos, uma união de toda a vida já abençoada por Deus, que vê a pureza das minhas ambições, enganaram-se! Retardar não é destruir. Eu confio tanto no generoso coração da Sr.ª D. Carlota como em mim próprio; e só o muito amor me podia dar a mim esta franqueza com que falo, e a ela a indulgência com que me ouve acusar o proceder injusto de seu pai.

— O senhor está a insultar-me! — exclamou Norberto — e demais a mais em minha casa!

— Eu não insulto, senhor, queixo-me de ter sido ultrajado, e reconheço, nesse desabrimento, que é certíssima a perfídia com que fui enganado. Retiro-me, para que V. S.ª não me ofenda terceira vez, dizendo-me que o insulto.

— Pois o melhor é isso — redarguiu Norberto. — O senhor pensava que me levava à valentona? Eu também tenho amigos, e sei o que hei-de fazer!...

— Que há-de fazer o pai? — disse Carlota com altivez. — O pai não pode fazer nada.

— Que dizes tu, Carlota?! — trovejou Norberto.

— Digo que não há forças humanas que me privem de casar com este senhor. O pai governa no seu dinheiro, e nós nada lhe pedimos.