A tia não sabe o que eu sofro, não conheceu esta dor, não sabe que desesperada vai ser a minha agonia! Eu tenho a morte já na garganta. Era preciso que eu perdesse o juízo para se crer que há Deus. Morrer assim, e sentir a causa da morte... isto é mais que barbaridade... o demónio não pode tanto, e um Deus não consentiria padecimento tamanho... Oh!... quem me apressasse a morte... quem me desse um veneno... quem me arrancasse do coração esta agonia!... Oh meu Deus!... — bradou ela, estendendo os braços para o crucifixo.

Soror Rufina correu a tomar a cruz de sobre a cómoda, e aproximou-lha. Carlota cravou-lhe os olhos, um momento humedecidos de lágrimas, e lançou-a de si com um violento gesto de repulsão.

— É mentira tudo isso! — exclamava ela, agitando as mãos com frenesi, como se a tia teimasse em dar-lhe a cruz. — É mentira tudo! não há Deus, não há nada a que uma desgraçada, como eu, possa recorrer! Deus não consentiria que houvesse um perverso tal como esse homem, nem uma miserável como eu...

— E, se souberes que foi castigado o perverso que te faz sofrer tanto, Carlota, crês que há justiça de Deus?

— Castigado!... não há neste mundo castigo para tamanha ingratidão... Ele é feliz a esta hora, nos braços de outra, com os carinhos de outra mulher, e eu... aqui, nas agonias da morte, sem poder saber que tempo hão-de durar!... Meu Deus, eu morro arrependida de vos ter negado, se me levardes já... — E tomando a cruz, que beijava fervorosamente, prosseguiu: — Levai-me, Senhor... tirai-me deste inferno, ou fazei que eu endoudeça! Se eu sou grande pecadora, dai-me as penas eternas da outra vida, se lá não há memória das amarguras deste mundo! Dai-me o outro Inferno por este, e eu darei sempre louvores à vossa misericórdia!... Não me escuta! — bradou Carlota com desesperada indignação, querendo arremessar a cruz.

— Filha!

— Deixe-me acabar, minha tia... Eu não quero esperanças... esperanças!... em quê? Não quero consolações de ninguém... A maldade daquele homem não me deixa já crer no amor de ninguém... Fujam todos de mim, que eu sou uma mulher amaldiçoada, sem ter ofendido uma só pessoa... É a maldição de meu pai que chegou ao Céu. Fui enganada, tinha fé naquele homem, estou assim penando, porque o acreditei... É um castigo maior que o meu delito! Deus devia perdoar à pobre mulher de dezoito anos, e castigar o traidor por quem me perdi...

— E castigou.

— Como?

— Chamando-o a contas.

— Diga, diga, minha tia... que é? chamando-o a contas!... pois ele...

— Morreu...