não... Dizias-me que era indispensável falares-me hoje... Não traduzi amargura nisto... Cuidei que era uma saudade feliz e serena como a minha...

— Oh! não, minha querida, é uma saudade que me despedaça... é a saudade que...

— Como?! que linguagem é essa, Francisco! Não me tens agora aqui?! não sou eu tua para sempre?!

— Sei que serás, Carlota, sei... mas eu preciso que chores comigo para me ser menos amarga a minha dor... É forçoso que nos separemos por alguns dias... meses... anos...

— Jesus! que nos separemos?! Onde vais tu?

— Sou chamado imediatamente a Lisboa.

— A Lisboa!... para que és tu chamado a Lisboa, Francisco?

— Não sei... é uma ordem terminante do ministro.

— Oh meu Deus!... que lembrança terrível! — exclamou com veemência Carlota. — É impossível! é impossível!

— Impossível o quê?

— Nem te quero dizer a horrível ideia que tive agora...

— Diz, Carlota... vejamos se se encontram duas ideias horríveis.

— Pois também suspeitas?... que te lembra, meu amigo?... diz, diz, se também julgas possível...

— Também suspeito que a ida de teu tio a Lisboa...

— Sim, sim, é isso que me lembrou; mas não creias, porque meu tio é um bom homem. Há muito que ele dizia que iria a Lisboa requerer um emprego. É ao que foi; mas... é verdade que...

— Não receies atormentar-me, Carlota; diz tudo que te faz desconfiar...

— É que hoje recebeu-se carta de meu tio, conheci a letra do sobrescrito, quis abri-la inocentemente, e meu pai tirou-me a carta da mão com grande sobressalto, dizendo que não era boa criação ler as cartas de outro. Eu disse-lhe que era uma curiosidade filha do desejo de saber como meu tio passava; e o pai voltou-me as costas, e eu bem vi que ele estava muito inquieto... mas...

— Duvidas ainda, Carlota, que teu tio foi agenciar a minha saída do Porto! Duvidas que não foi traiçoeiro o consentimento de teu pai, sem ao menos me perguntar que família ou haveres são os meus?

— Isso é horrível, meu amigo! não me convenças dessa traição, que me matas! Eles não podem separar-nos, não! O que a morte pode fazer não o farão eles. Juro-to pela minha alma e por tudo quanto há sagrado...

— Não jures, Carlota; eu sei o que és para mim; vale mais essa tua aflição, que todos os juramentos. Por quem és, não chores assim, meu querido anjo. Aqui o terrível mal que nos ameaça é a saudade, a incerteza não. Se a nossa ventura vier mais tarde do que esperávamos, resignemo-nos, vençamos a desgraça com a esperança. Teu pai porque será contra mim? porque eu sou pobre? pois bem, Carlota, irás pobre para a companhia de teu marido. O meu pão chega para ti, e bastará para mim a felicidade de to alcançar à custa de honrado trabalho. Não aceitaremos uma moeda de cobre dos cofres de teu pai... Bem basta que esse dinheiro tenha sido o nosso algoz para o não querermos connosco. Pobre é que eu te quero, e, se teu pai me não diz tão depressa que eras minha, ouviria da minha boca uma renúncia formal do teu grande dote...