Coragem, minha amiga. Eu vou a Lisboa, conheço logo a causa da minha chamada, desfaço as intrigas, se elas lá me esperam, empenho em nosso favor amigos e parentes, que tenho alguns valiosos ao pé dos ministros. Voltarei para convencer teu pai de que eu reputei verdadeira a sua palavra, e me envergonhei por ele, supondo necessário chamar a lei em nossa ajuda. Entrarei em tua casa, e dir-te-ei: Vem ser minha esposa! E tu sairás, pois não, minha Carlota?
— Sim, sim, sairei; e por que não há-de ser já?!
— Já?!
— Sim, leva-me contigo; não me deixes entregue a esta gente que me quer matar. Começo a odiá-los, e não poderei mais vê-los sem rancor. Leva-me, Francisco... Aceita-me assim pobre, e verás que te levo a maior riqueza deste mundo, um coração onde eu tenho o segredo de fazer a nossa felicidade na pobreza. Não me respondes?
— Queria responder-te de joelhos, Carlota! Tu és um anjo, és um bem que eu não mereço a Deus, e receio desagradar-lhe se faço sofrer teus pais, que, decerto, te devem amar muito, e cuidam que te fazem bem, separando-te de mim. Eu se fosse pai, e pai de uma filha assim, dá-la-ia ao primeiro que ma viesse pedir, sem me mostrar virtudes dignas dela? Não diria a esse homem perfidamente que sim, para depois praticar a vilania de o afastar, matando-lhe o coração a punhaladas traiçoeiras... não mostraria ao amante de minha filha o Céu, para depois o despenhar no Inferno; mas... custar-me-ia muito a dizer-lhe: Aí te dou o tesouro que tive no coração dezessete anos, que guardei para me dar alegria nas amarguras da velhice... leva-o, e deixa-me só com a minha saudade irremediável!... Não, Carlota, é cedo ainda para dares a teus pais esse desgosto. O teu amor ensina-me a ser nobre. Há um amor que faz tiranos e cruéis; mas esse amor não é o meu. Sou generoso para todo o mundo, e para os teus mais que para outrem. Ninguém dirá que calculei com os cem mil cruzados de teu pai, quando eu tiver uma casa que te ofereça, à hora do dia, na presença de quantos quiserem ver como um homem pobre serve um pobre jantar a sua mulher. Fica, minha querida Carlota, fica em tua casa. Nós exageramos o infortúnio. É próprio do muito amor que nos temos; mas saibamos empregar as armas da razão para vencer uma desgraça imaginária. Vou a Lisboa, ouço o que me querem, volto com licença aqui, apresento-me a teu pai no dia dos teus anos, e no seguinte venho pedir-lhe o cumprimento da sua palavra. À palavra não, encontro-te ao meu lado... e depois, venham todas as potências do Inferno contra nós.
— Francisco! — murmurou Carlota, despeitada — tu não me amas... porque não receias perder-me.
— Perdoo-te a injustiça, Carlota... Diz o que te não vem do coração, diz, minha amiga, que eu até das injúrias, se de ti me vierem, tirarei provas de que me amas muito, e crês que te amo. Há dois anos a amar-te assim! Há dois anos a respeitar-te como irmã, acarinhando-te como esposa! Há dois anos a viver de uma esperança, que só às tuas palavras se afoutou a dizer que existia! O homem que assim pensou não podia hoje aceitar a tua fuga, sem tu me dizeres que é preciso roubar-te para te merecer. Oh! isso nunca tu mo dirás, anjo do Céu, porque então pouco apreço daria eu à alma que não tem a intrepidez de dizer «sou livre».
Carlota soluçava com a face apoiada na pilastra da varanda, e os olhos fitos no céu. O aperto de coração que a sufocava era mais que o exprimível e imaginável. Essas angústias sofrem-se; mas não deixam reminiscências aos que as devoraram. São como as agonias do naufragado, que não preenchera ainda a conta dos seus dias, e quis em vão contar aos que o salvaram a suprema aflição do afogamento.
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