Resolvi-me a seguir a velha toda a noite, até que ela se
encontrasse com sua filha : desde este momento era o meu fa-
nal, a minha estrela polar.
A senhora e o seu cavalheiro entraram na saleta da es-
cada. Separado dela um instante pela multidão, ia segui-la.
Nisto ouço uma voz alegre dizer da saleta:
-- Vamos, mamã!
Corri, e apenas tive tempo de perceber os folhos de um
vestido preto, envolto num largo burnous de seda branca, que
desapareceu ligeiramente na escada.
Atravessei a saleta tão depressa como me permitiu a mul-
tidão, e, pisando calos, dando encontrões à direita e à esquer-
da, cheguei enfim à porta da saída,
O meu vestido preto sumiu-se pela portinhola de um cupê,
que partiu a trote largo.
Voltei ao baile desanimado; a minha única esperança era
a velha; por ela podia tomar informações, saber quem era a
minha desconhecida, indagar o seu nome e a sua morada, aca-
bar enfim com este enigma, que me matava de emoções vio-
lentas e contrárias.
Indaguei dela.
Mas como era possível designar uma velha da qual eu só
sabia pouco mais ou menos a idade?
Todos os meus amigos tinham visto muitas velhas, porém
não tinham olhado para elas.
Retirei-me triste e abatido, como um homem que se vê em
luta contra o impossível.
De duas vezes que a minha visão me tinha aparecido, só
me restavam uma lembrança, um perfume e uma palavra!
Nem sequer um nome!
A todo momento parecia-me ouvir na brisa da noite essa
frase do Trovador, tão cheia de melancolia e de sentimento,
que resumia para mim toda uma história.
Desde então não se representava uma só vez esta ópera que
eu não fosse ao teatro, ao menos para ter o prazer de ouvi-la
repetir.
A princípio, por uma intuição natural, julguei que ela de-
via, como eu, admirar essa sublime harmonia de Verdi, que
devia também ir sempre ao teatro.
O meu binóculo examinava todos os camarotes com uma
atenção meticulosa; via moças bonitas ou feias, mas nenhuma
delas me fazia palpitar o coração.
Entrando uma vez no teatro e passando a minha revista
costumada, descobri finalmente na terceira ordem sua mãe,
a minha estrela, o fio de Ariadne que me podia guiar nes-
te labirinto de dúvidas.
A velha estava só, na frente do camarote, e de vez em
quando voltava-se para trocar uma palavra com alguém sentado
no fundo.
Senti uma alegria inefável.
O camarote próximo estava vazio; perdi quase todo o es-
petáculo a procurar o cambista incumbido de vendê-lo. Por
fim achei-o e subi de um pulo as três escadas.
O coração queria saltar-me quando abri a porta do ca-
marote e entrei.
Não me tinha enganado; junto da velha vi um chapeuzi-
nho de palha com um véu preto rocegado, que não me deixava
ver o rosto da pessoa a quem pertencia.
Mas eu tinha adivinhado que era ela; e sentia um prazer
indefinível em olhar aquelas rendas e fitas, que me impediam
de conhecê-la, mas que ao menos lhe pertenciam.
Uma das fitas do chapéu tinha caído do lado do meu ca-
marote, e, em risco de ser visto, não pude suster-me e beijei-a
a furto.
Representava-se a Traviata e era o último ato; o espe-
táculo ia acabar, e eu ficaria no mesmo estado de incerteza.
Arrastei as cadeiras do camarote, tossi, deixei cair o bi-
nóculo, fiz um barulho insuportável, para ver se ela voltava
o rosto.
A platéia pediu silêncio; todos os olhos procuraram co-
nhecer a causa. do rumor; porém ela não se moveu; com a ca-
beça meio inclinada sobre a coluna, em uma lânguida inflexão,
parecia toda entregue ao encanto da música.
Tomei um partido.
Encostei-me à mesma coluna e, em voz baixa, balbuciei
estas palavras :
-- Não me esqueço!
Estremeceu e, baixando rapidamente o véu, conchegou ain-
da mais o largo burnous de cetim branco.
Cuidei que ia voltar-se, mas enganei-me ; esperei muito
tempo, e debalde.
Tive então um movimento de despeito e quase de raiva;
depois de um mês que eu amava sem esperança, que eu guar-
dava a maior fidelidade à sua sombra, ela me recebia fria-
mente.
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