Quando acordei, o dia despontava sobre as montanhas da
Tijuca.
Uma bela manhã, fresca e rociada das gotas de orvalho,
desdobrava o seu manto de azul por entre a cerração, que se
desvanecia aos raios do sol.
O aspecto desta natureza quase virgem, esse céu brilhan-
te, essa luz esplêndida, caindo em cascatas de ouro sobre as
encostas dos rochedos, serenou-me completamente o espírito.
Fiquei alegre, o que havia muito tempo não me sucedia.
O meu hóspede, um inglês franco e cavalheiro, convidou-
-me para acompanhá-lo à caça; gastamos todo o dia a correr
atrás de duas ou três marrecas e a bater as margens da Res-
tinga.
Assim passei nove dias na Tijuca, vivendo uma vida estú-
pida quanto pode ser: dormindo, caçando e jogando bilhar.
Na tarde do décimo dia, quando já me supunha perfeita-
mente curado e estava contemplando o sol, que se escondia por
detrás dos montes, e a lua, que derramava no espaço a sua luz
doce e acetinada, fiquei triste de repente.
Não sei que caminho tomavam as minhas idéias; o caso é
que daí a pouco descia a serra no meu cavalo, lamentando es-
ses nove dias, que talvez me tivessem feito perder para sempre
a minha desconhecida.
Acusava-me de infidelidade, de traição; a minha fatuidade
dizia-me que eu devia ao menos ter-lhe dado o prazer de ver-
-me.
Que importava que ela me ordenasse que a esquecesse?
Não me tinha confessado que me amava, e não devia eu resistir
e vencer essa fatalidade, contra a qual ela, fraca mulher, não
podia lutar?
Tinha vergonha de mim mesmo; achava-me egoísta, co-
barde, irrefletido, e revoltava-me contra tudo, contra o meu
cavalo que me levara à Tijuca, e o meu hóspede, cuja ama-
bilidade ali me havia demorado.
Com esta dis posição de espírito cheguei à cidade, mudei
de traje e ia sair, quando o meu moleque me deu uma carta.
Era dela.
Causou-me uma surpresa misturada de alegria e de re-
morso :
"Meu amigo.
"Sinto-me com coragem de sacrificar o meu amor à sua
felicidade; mas ao menos deixe-me o consolo de amá-lo.
"Há dois dias que espero debalde vê-lo passar e acom-
panhá-lo de longe com um olhar! Não me queixo; não sabe
nem deve saber em que ponto de seu caminho o som de seus
passos faz palpitar um coração amigo.
"Parto hoje para Petrópolis, donde voltarei breve; não lhe
peço que me acompanhe, porque devo ser-lhe sempre uma des-
conhecida, uma sombra escura que passou um dia pelos sonhos
dourados de sua vida.
"Entretanto eu desejava vê-lo ainda uma vez, apertar a
sua mão e dizer-lhe adeus para sempre.
"C."
A carta tinha a data de 3; nós estávamos a 10; havia oito
dias que ela partira para Petrópolis e que me esperava.
No dia seguinte embarquei na Prainha e fiz essa viagem
da baía, tão pitoresca, tão agradável e ainda tão pouco apre-
ciada.
Mas então a majestade dessas montanhas de granito, a
poesia desse vasto seio de mar, sempre alisado como um espe-
lho, os grupos de ilhotas graciosas que bordam a baía, nada
disto me preocupava.
Só tinha uma idéia... chegar; e o vapor caminhava menos
rápido do que meu pensamento.
Durante a viagem pensava nessa circunstância que a sua
carta me revelara, e fazia-me por lembrar de todas as ruas por
onde costumava passar, para ver se adivinhava aquela onde
ela morava e donde todos os dias me via sem que eu suspei-
tasse.
Para um homem como eu, que andava todo o dia desde a
manhã até a noite, a ponto de merecer que a senhora, minha
prima, me apelidasse de Judeu Errante, este trabalho era im-
profícuo.
Quando cheguei a Petrópolis, eram cinco horas da tarde;
estava quase noite.
Entrei nesse hotel suíço, ao qual nunca mais voltei, e en-
quanto me serviam um magro jantar, que era o meu almoço,
tomei informações.
-- Têm subido estes dias muitas famílias? perguntei eu
ao criado.
-- Não, senhor.
-- Mas, há coisa de oito dias não vieram da cidade duas
senhoras?
-- Não estou certo.
-- Pois indague, que preciso saber e já ; isto o ajudará
a obter informações.
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