E eis-me outro fósforo a riscar.

E esse acidente químico vulgar

Extraordinariamente me impressiona!

Mas minha crise artrítica não tarda.

Adeus! Que eu vejo enfim, com a alma vencida,

Na abjeção embriológica da vida

O futuro de cinza que me aguarda!

Paraíba – 1910.

OUTRAS POESIAS

O LAMENTO DAS COISAS

Triste, a escutar, pancada por pancada,

A sucessividade dos segundos,

Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,

O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada,

– O cantochão dos dínamos profundos,

Que, podendo mover milhões de mundos,

Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...

Da transcendência que se não realiza...

Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é, em suma, o subconsciente aí formidando

Da Natureza que parou, chorando,

No rudimentarismo do Desejo!

O MEU NIRVANA

No alheamento da obscura forma humana,

De que, pensando, me desencarcero,

Foi que eu, num grito de emoção, sincero,

Encontrei, afinal, o meu Nirvana.

Nessa manumissão schopenhaueriana,

Onde a Vida do humano aspecto fero

Se desarraiga, eu, feito força, impero

Na imanência da Ideia Soberana!

Destruída a sensação que oriunda fora

Do tato – ínfima antena aferidora

Destas tegumentárias mãos plebeias –

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,

De haver trocado a minha forma de homem

Pela imortalidade das Ideias!

CAPUT IMMORTALE

Ad poetam

Na dinâmica aziaga das descidas,

Aglomeradamente e em turbilhão

Solucem dentro do Universo ancião,

Todas as urbes siderais vencidas!

Morra o éter. Cesse a luz. Parem as vidas.

Sobre a pancosmológica exaustão

Reste apenas o acervo árido e vão

Das muscularidades consumidas!

Ainda assim, a animar o cosmos ermo,

Morto o comércio físico nefando,

Oh! Nauta aflito do Subliminal,

Como a última expressão da Dor sem termo,

Tua cabeça há de ficar vibrando

Na negatividade universal!

APÓSTROFE À CARNE

Quando eu pego nas carnes de meu rosto,

Pressinto o fim da orgânica batalha:

– Olhos que o húmus necrófago estraçalha,

Diafragmas, decompondo-se, ao sol-posto...

E o Homem – negro e heteróclito composto,

Onde a alva flama psíquica trabalha,

Desagrega-se e deixa na mortalha

O tato, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mônadas bastardas,

Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,

A dardejar relampejantes brilhos,

Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,

Em tua podridão a herança horrenda,

Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

LOUVOR À UNIDADE

“Escafandros, arpões, sondas e agulhas

“Debalde aplicas aos heterogêneos

“Fenômenos, e, há inúmeros milênios,

“Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!

“Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,

“Com essa intuição monística dos gênios,

“À hirta forma falaz do aere perennius

“A transitoriedade das fagulhas!”

– Era a estrangulação, sem retumbância,

Da multimilenária dissonância

Que as harmonias siderais invade...

Era, numa alta aclamação, sem gritos,

O regresso dos átomos aflitos

Ao descanso perpétuo da Unidade!

O PÂNTANO

Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!...

Mas, para mim que a Natureza escuto,

Este pântano é o túmulo absoluto,

De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes

Sobre o seu leito de peçonha e luto

Dormem tranquilamente o sono bruto

Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,

Tragicamente, à espera de quem passa

Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta...

E eu sinto a angústia dessa raça ardente

Condenada a esperar perpetuamente

No universo esmagado da água morta!

SUPRÊME CONVULSION

O equilíbrio do humano pensamento

Sofre também a súbita ruptura,

Que produz muita vez, na noite escura,

A convulsão meteórica do vento.

E a alma o obnóxio quietismo sonolento

Rasga; e, opondo-se à Inércia, é a essência pura,

É a síntese, é o transunto, é a abreviatura

De todo o ubiquitário Movimento!...

Sonho – libertação do homem cativo –,

Ruptura do equilíbrio subjetivo,

Ah! foi teu beijo convulsionador

Que produziu este contraste fundo

Entre a abundância do que eu sou, no Mundo,

E o nada do meu homem interior!

A UM GÉRMEN

Começaste a existir, geleia crua,

E hás de crescer, no teu silêncio, tanto

Que, é natural, ainda algum dia, o pranto

Das tuas concreções plásmicas flua!

A água, em conjugação com a terra nua,

Vence o granito, deprimindo-o... O espanto

Convulsiona os espíritos, e, entanto,

Teu desenvolvimento continua!

Antes, geleia humana, não progridas

E em retrogradações indefinidas,

Volvas à antiga inexistência calma!...

Antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres

De atingir, como gérmen de outros seres,

Ao supremo infortúnio de ser alma!

NATUREZA ÍNTIMA

Ao filósofo Farias Brito

Cansada de observar-se na corrente

Que os acontecimentos refletia,

Reconcentrando-se em si mesma, um dia,

A Natureza olhou-se interiormente!

Baldada introspecção! Noumenalmente

O que Ela, em realidade, ainda sentia

Era a mesma imortal monotonia

De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:

“Terei somente, porventura, rosto?!

“Serei apenas mera crusta espessa?!

“Pois é possível que Eu, causa do Mundo,

“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,

“Menos interiormente me conheça?!”

A FLORESTA

Em vão com o mundo da floresta privas!...

– Todas as hermenêuticas sondagens,

Ante o hieróglifo e o enigma das folhagens,

São absolutamente negativas!

Araucárias, traçando arcos de ogivas,

Bracejamentos de álamos selvagens,

Como um convite para estranhas viagens,

Tornam todas as almas pensativas!

Há uma força vencida neste mundo!

Todo o organismo florestal profundo

É dor viva, trancada num disfarce...

Vivem só, nele, os elementos broncos,

– As ambições que se fizeram troncos,

Porque nunca puderam realizar-se!

A MERETRIZ

A rua dos destinos desgraçados

Faz medo. O Vício estruge. Ouvem-se os brados

Da danação carnal... Lúbrica, à lua,

Na sodomia das mais negras bodas

Desarticula-se, em coréas doudas,

Uma mulher completamente nua!

É a meretriz que, de cabelos ruivos,

Bramando, ébria e lasciva, hórridos uivos

Na mesma esteira pública, recebe,

Entre farraparias e esplendores,

O eretismo das classes superiores

E o orgasmo bastardíssimo da plebe!

É ela que, aliando, à luz do olhar protervo,

O indumento vilíssimo do servo

Ao brilho da augustal toga pretexta,

Sente, alta noite, em contorções sombrias,

Na vacuidade das entranhas frias

O esgotamento intrínseco da besta!

É ela que, hirta, a arquivar credos desfeitos,

Com as mãos chagadas, espremendo os peitos,

Reduzidos, por fim, a âmbulas moles,

Sofre em cada molécula a angústia alta

De haver secado, como o estepe, à falta

Da água criadora que alimenta as proles!

É ela que, arremessada sobre o rude

Despenhadeiro da decrepitude,

Na vizinhança aziaga dos ossuários

Representa, através os meus sentidos,

A escuridão dos gineceus falidos

E a desgraça de todos os ovários!

Irrita-se-lhe a carne à meia-noite.

Espicaça-a a ignomínia, excita-a o açoite

Do incêndio que lhe inflama a língua espúria.

E a mulher, funcionária dos instintos,

Com a roupa amarfanhada e os beiços tintos,

Gane instintivamente de luxúria!

Navio para o qual todos os portos

Estão fechados, urna de ovos mortos,

Chão de onde uma só planta não rebenta,

Ei-la, de bruços, bêbeda de gozo

Saciando o geotropismo pavoroso

De unir o corpo à terra famulenta!

Nesse espolinhamento repugnante

O esqueleto irritado da bacante

Estrala... Lembra o ruído harto azorrague

A vergastar ásperos dorsos grossos.

E é aterradora essa alegria de ossos

Pedindo ao sensualismo que os esmague!

É o pseudorregozijo dos eunucos

Por natureza, dos que são caducos

Desde que a Mãe-Comum lhes deu início...

É a dor profunda da incapacidade

Que, pela própria hereditariedade,

A lei da seleção disfarça em Vício!

É o júbilo aparente da alma quase

A eclipsar-se, no horror da ocídua fase

Esterilizadora de órgãos... É o hino

Da matéria incapaz, filha do inferno,

Pagando com volúpia o crime eterno

De não ter sido fiel ao seu destino!

É o Desespero que se faz bramido

De anelo animalíssimo incontido,

Mais que a vaga incoercível na água oceânea...

É a Carne que, já morta essencialmente,

Para a Finalidade Transcendente

Gera o prodígio anímico da Insânia!

Nas frias antecâmaras do Nada

O fantasma da fêmea castigada,

Passa agora ao clarão da lua acesa

E é seu corpo expiatório, alvo e desnudo

A síntese eucarística de tudo

Que não se realizou na Natureza!

Antigamente, aos tácitos apelos

Das suas carnes e dos seus cabelos,

Na óptica abreviatura de um reflexo,

Fulgia, em cada humana nebulosa,

Toda a sensualidade tempestuosa

Dos apetites bárbaros do Sexo!

O atavismo das raças sibaritas,

Criando concupiscências infinitas

Como eviterno lobo insatisfeito;

Na homofagia hedionda que o consome,

Vinha saciar a milenária fome

Dentro das abundâncias do seu leito!

Toda a libidinagem dos mormaços

Americanos fluía-lhe dos braços,

Irradiava-se-lhe, hírcica, das veias

E em torrencialidades quentes e úmidas,

Gorda a escorrer-lhe das artérias túmidas

Lembrava um transbordar de ânforas cheias.

A hora da morte acende-lhe o intelecto

E à úmida habitação do vício abjecto

Afluem milhões de sóis, rubros, radiando...

Resíduos memoriais tornam-se luzes

Fazem-se ideias e ela vê as cruzes

Do seu martirológio miserando!

Inícios atrofiados de ética, ânsia

De perfeição, sonhos de culminância,

Libertos da ancestral modorra calma,

Saem da infância embrionária e erguem-se, adultos,

Lançando a sombra horrível dos seus vultos

Sobre a noite fechada daquela alma!

É o sublevantamento coletivo

De um mundo inteiro que aparece vivo,

Numa cenografia de diorama,

Que, momentaneamente luz fecunda,

Brilha na prostituta moribunda

Como a fosforescência sobre a lama!

É a visita alarmante do que outrora

Na abundância prospérrima da aurora,

Pudera progredir, talvez, decerto,

Mas que, adstrito a inferior plasma inconsútil,

Ficou rolando, como aborto inútil,

Como o ...............do deserto!

Vede! A prostituição, ofídia aziaga

Cujo tóxico instila a infâmia, e a estraga

Na delinquência ......... impune,

Agarrou-se-lhe aos seios impudicos

Como o abraço mortífero do Ficus

Sugando a seiva da árvore a que se une!

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Enroscou-se-lhe aos abraços com tal gosto,

.........Mordeu-lhe a boca e o rosto...

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Ser meretriz depois do túmulo! A alma

Roubada à hirta quietude da urbe calma

Onde se extinguem todos os escolhos:

E, condenada, ao trágico ditame,

Oferecer-se à bicharia infame

Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos!

Sentir a língua aluir-se-lhe na boca

E com a cabeça sem cabelos, oca...

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Na horrorosa avulsão da forma nívea

Dizer ainda palavras de lascívia...

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GUERRA

Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é transporte...

É a dramatização sangrenta e dura

Da avidez com que o Espírito procura

Ser perfeito, ser máximo, ser forte!

É a Subconsciência que se transfigura

Em volição consagradora... É a coorte

Das raças todas, que se entrega à morte

Para a felicidade da Criatura!

É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo

De subir, na ordem cósmica, descendo

À irracionalidade primitiva...

É a Natureza que, no seu arcano,

Precisa de encharcar-se em sangue humano

Para mostrar aos homens que está viva!

O SARCÓFAGO

Senhor da alta hermenêutica do Fado

Perlustro o atrium da Morte... É frio o ambiente

E a chuva corta inexoravelmente

O dorso de um sarcófago molhado!

Ah! Ninguém ouve o soluçante brado

De dor profunda, acérrima e latente,

Que o sarcófago, ereto e imóvel, sente

Em sua própria sombra sepultado!

Dói-lhe (quem sabe?) essa grandeza horrível,

Que em toda a sua máscara se expande,

À humana comoção impondo-a, inteira...

Dói-lhe, em suma, perante o Incognoscível,

Essa fatalidade de ser grande

Para guardar unicamente poeira!

HINO À DOR

Dor, saúde dos seres que se fanam,

Riqueza da alma, psíquico tesouro,

Alegria das glândulas do choro

De onde todas as lágrimas emanam...

És suprema! Os meus átomos se ufanam

De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro

Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro

De que as próprias desgraças se engalanam!

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.

Com os corpúsculos mágicos do tato

Prendo a orquestra de chamas que executas...

E, assim, sem convulsão que me alvoroce,

Minha maior ventura é estar de posse

De tuas claridades absolutas!

ULTIMA VISIO

Quando o homem, resgatado da cegueira

Vir Deus num simples grão de argila errante,

Terá nascido nesse mesmo instante

A mineralogia derradeira!

A impérvia escuridão obnubilante

Há de cessar! Em sua glória inteira

Deus resplandecerá dentro da poeira

Como um gazofilácio de diamante!

Nessa última visão já subterrânea,

Um movimento universal de insânia

Arrancará da insciência o homem precito...

A Verdade virá das pedras mortas

E o homem compreenderá todas as portas

Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!

AOS MEUS FILHOS

Na intermitência da vital canseira,

Sois vós que sustentais (Força Alta exige-o...)

Com o vosso catalítico prestígio,

Meu fantasma de carne passageira!

O vulcão da bioquímica fogueira

Destruiu-me todo o orgânico fastígio...

Dai-me asas, pois, para o último remígio,

Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!

Culminâncias humanas ainda obscuras,

Expressões do universo radioativo,

Íons emanados do meu próprio Ideal,

Benditos vós, que, em épocas futuras,

Haveis de ser no mundo subjetivo,

Minha continuidade emocional!

A DANÇA DA PSIQUÊ

A dança dos encéfalos acesos

Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços

As cabeças, as mãos, os pés e os braços

Tombam, cedendo à ação de ignotos pesos!

É então que a vaga dos instintos presos

– Mãe de esterilidades e cansaços –

Atira os pensamentos mais devassos

Contra os ossos cranianos indefesos.

Subitamente a cerebral coreia

Para. O cosmos sintético da Ideia

Surge. Emoções extraordinárias sinto...

Arranco do meu crânio as nebulosas.

E acho um feixe de forças prodigiosas

Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!

O POETA DO HEDIONDO

Sofro aceleradíssimas pancadas

No coração. Ataca-me a existência

A mortificadora coalescência

Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinatórias cavalgadas,

Eu sinto, então, sondando-me a consciência,

A ultrainquisitorial clarividência

De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no cérebro esta sonda!

Ah! Certamente, eu sou a mais hedionda

Generalização do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho

Cantando sobre os ossos do caminho

A poesia de tudo quanto é morto!

A FOME E O AMOR

A um monstro

Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta,

Receando outras mandíbulas a esbanjem,

Os dentes antropófagos que rangem,

Antes da refeição sanguinolenta!

Amor! E a satiríase sedenta,

Rugindo, enquanto as almas se confrangem,

Todas as danações sexuais que abrangem

A apolínica besta famulenta!

Ambos assim, tragando a ambiência vasta,

No desembestamento que os arrasta,

Superexcitadíssimos, os dois

Representam, no ardor dos seus assomos,

A alegoria do que outrora fomos

E a imagem bronca do que inda hoje sois!

HOMO INFIMUS

Homem, carne sem luz, criatura cega,

Realidade geográfica infeliz,

O Universo calado te renega

E a tua própria boca te maldiz!

O nôumeno e o fenômeno, o alfa e o omega

Amarguram-te. Hebdômadas hostis

Passam... Teu coração se desagrega,

Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris!

Fruto injustificável dentre os frutos,

Montão de estercorária argila preta,

Excrescência de terra singular,

Deixa a tua alegria aos seres brutos,

Porque, na superfície do planeta,

Tu só tens um direito: – o de chorar!

MINHA FINALIDADE

Turbilhão teleológico incoercível,

Que força alguma inibitória acalma,

Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma

Dos que amam apreender o Inapreensível!

Predeterminação imprescritível

Oriunda da infra-astral Substância calma

Plasmou, aparelhou, talhou minha alma

Para cantar de preferência o Horrível!

Na canonização emocionante

Da dor humana, sou maior que Dante,

– A águia dos latifúndios florentinos!

Sistematizo, soluçando, o Inferno...

E trago em mim, num sincronismo eterno,

A fórmula de todos os destinos!

NUMA FORJA

De inexplicáveis ânsias prisioneiro

Hoje entrei numa forja, ao meio-dia.

Trinta e seis graus à sombra. O éter possuía

A térmica violência de um braseiro.

Dentro, a cuspir escórias

De fúlgida limalha

Dardejando centelhas transitórias,

No horror da metalúrgica batalha

O ferro chiava e ria!

Ria, num sardonismo doloroso

De ingênita amargura,

Da qual, bruta, provinha

Como de um negro cáspio de água impura

A multissecular desesperança

De sua espécie abjeta

Condenada a uma estática mesquinha!

Ria com essa metálica tristeza

De ser na Natureza,

Onde a Matéria avança

E a Substância caminha

Aceleradamente para o gozo

Da integração completa,

Uma consciência eternamente obscura!

O ferro continuava a chiar e a rir.

E eu nervoso, irritado,

Quase com febre, a ouvir

Cada átomo de ferro

Contra a incude esmagado

Sofrer, berrar, tinir,

Compreendia por fim que aquele berro

À substância inorgânica arrancado

Era a dor do minério castigado

Na impossibilidade de reagir!

Era um cosmos inteiro sofredor,

Cujo negror profundo

Astro nenhum exorna

Gritando na bigorna

Asperamente a sua própria dor!

Era, erguido do pó,

Inopinadamente

Para que à vida quente

Da sinergia cósmica desperte,

A ansiedade de um mundo

Doente de ser inerte,

Cansado de estar só!

Era a revelação

De tudo que ainda dorme

No metal bruto ou na geleia informe

Do parto primitivo da Criação!

Era o ruído-clarão,

– O ígneo jato vulcânico

Que, atravessando a absconsa cripta enorme

De minha cavernosa subconsciência,

Punha em clarividência

Intramoleculares sóis acesos

Perpetuamente às mesmas formas presos,

Agarrados à inércia do Inorgânico

Escravos da Coesão!

Repuxavam-me a boca hórridos trismos

E eu sentia, afinal,

Essa angústia alarmante

Própria de alienação raciocinante,

Cheia de ânsias e medos

Com crispações nos dedos

Piores que os paroxismos

Da árvore que a atmosfera ultriz destronca.

A ouvir todo esse cosmos potencial,

Preso aos mineralógicos abismos

Angustiado e arquejante

A debater-se na estreiteza bronca

De um bloco de metal!

Como que a forja tétrica

Num estridor de estrago

Executava, em lúgubre crescendo

A antífona assimétrica

E o incompreensível wagnerismo aziago

De seu destino horrendo!

Ao clangor de tais carmes de martírio

Em cismas negras eu recaio imerso

Buscando no delírio

De uma imaginação convulsionada

Mais revolta talvez de que a onda atlântica,

Compreender a semântica

Dessa aleluia bárbara gritada

Às margens glacialíssimas do Nada

Pelas coisas mais brutas do Universo!

NOLI ME TANGERE

A exaltação emocional do Gozo,

O Amor, a Glória, a Ciência, a Arte e a Beleza

Servem de combustíveis à ira acesa

Das tempestades do meu ser nervoso!

Eu sou, por consequência, um ser monstruoso!

Em minha arca encefálica indefesa

Choram as forças más da Natureza

Sem possibilidades de repouso!

Agregados anômalos malditos

Despedaçam-se, mordem-se, dão gritos

Nas minhas camas cerebrais funéreas...

Ai! Não toqueis em minhas faces verdes,

Sob pena, homens felizes, de sofrerdes

A sensação de todas as misérias!

O CANTO DOS PRESOS

Troa, a alardear bárbaros sons abstrusos,

O epitalâmio da Suprema Falta,

Entoado asperamente, em voz muito alta,

Pela promiscuidade dos reclusos!

No wagnerismo desses sons confusos,

Em que o Mal se engrandece e o Ódio se exalta,

Uiva, à luz de fantástica ribalta,

A ignomínia de todos os abusos!

É a prosódia do cárcere, é a partênia

Aterradoramente heterogênea

Dos grandes transviamentos subjetivos...

É a saudade dos erros satisfeitos,

Que, não cabendo mais dentro dos peitos,

Se escapa pela boca dos cativos!

ABERRAÇÃO

Na velhice automática e na infância,

(Hoje, ontem, amanhã e em qualquer era)

Minha hibridez é a súmula sincera

Das defectividades da Substância.

Criando na alma a estesia abstrusa da ânsia,

Como Belerofonte com a Quimera

Mato o ideal; cresto o sonho; achato a esfera

E acho odor de cadáver na fragrância!

Chamo-me Aberração. Minha alma é um misto

De anomalias lúgubres. Existo

Como o cancro, a exigir que os sãos enfermem...

Teço a infâmia; urdo o crime; engendro o lodo

E nas mudanças do Universo todo

Deixo inscrita a memória do meu gérmen!

VÍTIMA DO DUALISMO

Ser miserável entre os miseráveis

– Carrego em minhas células sombrias

Antagonismos irreconciliáveis

E as mais opostas idiossincrasias!

Muito mais cedo do que o imagináveis

Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias

Cóleras dos dualismos implacáveis

E à gula negra das antinomias!

Psiquê biforme, o Céu e o Inferno absorvo...

Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,

Feita dos mais variáveis elementos,

Ceva-se em minha carne, como um corvo,

A simultaneidade ultramonstruosa

De todos os contrastes famulentos!

AO LUAR

Quando, à noite, o Infinito se levanta

À luz do luar, pelos caminhos quedos

Minha tátil intensidade é tanta

Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos

E a minha mão, dona, por fim, de quanta

Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,

Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,

Nos paroxismos da hiperestesia,

O Infinitésimo e o Indeterminado...

Transponho ousadamente o átomo rude

E, transmudado em rutilância fria,

Encho o Espaço com a minha plenitude!

A UM EPILÉPTICO

Perguntarás quem sou?! – ao suor que te unta,

À dor que os queixos te arrebenta, aos trismos

Da epilepsia horrenda, e nos abismos

Ninguém responderá tua pergunta!

Reclamada por negros magnetismos

Tua cabeça há de cair, defunta

Na aterradora operação conjunta

Da tarefa animal dos organismos!

Mas após o antropófago alambique

Em que é mister todo o teu corpo fique

Reduzido a excreções de sânie e lodo,

Como a luz que arde, virgem, num monturo,

Tu hás de entrar completamente puro

Para a circulação do Grande Todo!

CANTO DE ONIPOTÊNCIA

Cloto, Átropos, Tifon, Laquesis, Siva...

E acima deles, como um astro, a arder,

Na hiperculminação definitiva

O meu supremo e extraordinário Ser!

Em minha sobre-humana retentiva

Brilhavam, como a luz do amanhecer,

A perfeição virtual tornada viva

E o embrião do que podia acontecer!

Por antecipação divinatória,

Eu, projetado muito além da História,

Sentia dos fenômenos o fim...

A coisa em si movia-se aos meus brados

E os acontecimentos subjugados

Olhavam como escravos para mim!

MINHA ÁRVORE

Olha: É um triângulo estéril de ínvia estrada!

Como que a erva tem dor... Roem-na amarguras

Talvez humanas, e entre rochas duras

Mostra ao Cosmos a face degradada!

Entre os pedrouços maus dessa morada

É que, às apalpadelas e às escuras,

Hão de encontrar as gerações futuras

Só, minha árvore humana desfolhada!

Mulher nenhuma afagará meu tronco!

Eu não me abalarei, nem mesmo ao ronco

Do furacão que, rábido, remoinha...

Folhas e frutos, sobre a terra ardente

Hão de encher outras árvores! Somente

Minha desgraça há de ficar sozinha!

ANSEIO

Quem sou eu, neste ergástulo das vidas

Danadamente, a soluçar de dor?!

– Trinta trilhões de células vencidas,

Nutrindo uma efeméride inferior.

Branda, entanto, a afagar tantas feridas,

A áurea mão taumatúrgica do Amor

Traça, nas minhas formas carcomidas,

A estrutura de um mundo superior!

Alta noite, esse mundo incoerente,

Essa elementaríssima semente

Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal...

Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto,

E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto

Não poder dar-lhe vida material!

À MESA

Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora

De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,

Antegozando a ensanguentada presa,

Rodeado pelas moscas repugnantes,

Para comer meus próprios semelhantes

Eis-me sentado à mesa!

Como porções de carne morta... Ai! Como

Os que, como eu, têm carne, com este assomo

Que a espécie humana em comer carne tem!...

Como! E pois que a Razão me não reprime,

Possa a terra vingar-se do meu crime

Comendo-me também!

MÃOS

Há mãos que fazem medo

Feias agregações pentagonais,

Umas, em sangue, a delinquentes natos,

Assinalados pelo mancinismo,

Pertencentes talvez...

Outras, negras, a farpas de rochedo

Completamente iguais...

Mãos de linhas análogas a anfratos

Que a Natureza onicriadora fez

Em contraposição e antagonismo

Às da estrela, às da neve, às dos cristais.

Mãos que adquiriram olhos, pituitárias

Olfativas, tentáculos sutis

E à noite, vão cheirar, quebrando portas,

O azul gasofiláceo silencioso

Dos tálamos cristãos.

Mãos adúlteras, mãos mais sanguinárias

E estupradoras do que os bisturis

Cortando a carne em flor das crianças mortas.

Monstruosíssimas mãos,

Que apalpam e olham com lascívia e gozo

A pureza dos corpos infantis.

REVELAÇÃO

I

Escafandrista de insondado oceano

Sou eu que, aliando Buda ao sibarita,

Penetro a essência plásmica infinita,

– Mãe promíscua do amor e do ódio insano!

Sou eu que, hirto, auscultando o absconso arcano,

Por um poder de acústica esquisita,

Ouço o universo ansioso que se agita

Dentro de cada pensamento humano!

No abstrato abismo equóreo, em que me inundo,

Sou eu que, revolvendo o ego profundo

E a escuridão dos cérebros medonhos,

Restituo triunfalmente à esfera calma

Todos os cosmos que circulam na alma

Sob a forma embriológica de sonhos!

I

Treva e fulguração; sânie e perfume;

Massa palpável e éter; desconforto

E ataraxia; feto vivo e aborto...

– Tudo a unidade do meu ser resume!

Sou eu que, ateando da alma o ocíduo lume,

Apreendo, em cisma abismadora absorto,

A potencialidade do que é morto

E a eficácia prolífica do estrume!

Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa angusta

Dos limites orgânicos estreitos,

Dentro dos quais recalco em vão minha ânsia,

Sinto bater na putrescível crusta

Do tegumento que me cobre os peitos

Toda a imortalidade da Substância!

VERSOS A UM COVEIRO

Numerar sepulturas e carneiros,

Reduzir carnes podres a algarismos,

– Tal é, sem complicados silogismos,

A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos

Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,

Na progressão dos números inteiros

A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,

Continua a contar na paz ascética

Dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,

Porque, infinita como os próprios números,

A tua conta não acaba mais!

TREVAS

Haverá, por hipótese, nas geenas

Luz bastante fulmínea que transforme

Dentro da noite cavernosa e enorme

Minhas trevas anímicas serenas?!

Raio horrendo haverá que as rasgue apenas?!

Não! Porque, na abismal substância informe,

Para convulsionar a alma que dorme

Todas as tempestades são pequenas!

Há de a Terra vibrar na ardência infinda

Do éter em branca luz transubstanciado,

Rotos os nimbos maus que a obstruem a esmo...

A própria Esfinge há de falar-vos ainda

E eu, somente eu, hei de ficar trancado

Na noite aterradora de mim mesmo!

AS MONTANHAS

I

Das nebulosas em que te emaranhas

Levanta-te, alma, e dize-me, afinal,

Qual é, na natureza espiritual,

A significação dessas montanhas!

Quem não vê nas graníticas entranhas

A subjetividade ascensional

Paralisada e estrangulada, mal

Quis erguer-se a cumíadas tamanhas?!

Ah! Nesse anelo trágico de altura

Não serão as montanhas, porventura,

Estacionadas, íngremes, assim,

Por um abortamento de mecânica,

A representação ainda inorgânica

De tudo aquilo que parou em mim?!

II

Agora, oh! deslumbrada alma, perscruta

O puerpério geológico interior,

De onde rebenta, em contrações de dor,

Toda a sublevação da crusta hirsuta!

No curso inquieto da terráquea luta

Quantos desejos férvidos de amor

Não dormem, recalcados, sob o horror

Dessas agregações de pedra bruta?!

Como nesses relevos orográficos,

Inacessíveis aos humanos tráficos

Onde sóis, em semente, amam jazer,

Quem sabe, alma, se o que ainda não existe

Não vibra em gérmen no agregado triste

Da síntese sombria do meu Ser?!

APOCALIPSE

Minha divinatória Arte ultrapassa

Os séculos efêmeros e nota

Diminuição dinâmica, derrota

Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça

A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,

Destrói a ebulição que a água alvorota

E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,

Federações sidéricas quebradas...

E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante,

Espião da cataclísmica surpresa,

A única luz tragicamente acesa

Na universalidade agonizante!

A NAU

A Heitor Lima

Sôfrega, alçando o hirto esporão guerreiro,

Zarpa. A íngreme cordoalha úmida fica...

Lambe-lhe a quilha a espúmea onda impudica

E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiro!

Na glauca artéria equórea ou no estaleiro

Ergue a alta mastreação, que o Éter indica,

E estende os braços de madeira rica

Para as populações do mundo inteiro!

Aguarda-a a ampla reentrância de angra horrenda,

Para e, a amarra agarrada à âncora, sonha!

Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as...

E não haver uma alma que lhe entenda

A angústia transoceânica medonha

No rangido de todas as enxárcias!

VOLÚPIA IMORTAL

Cuidas que o genesíaco prazer,

Fome do átomo e eurítmico transporte

De todas as moléculas, aborte

Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,

Para a perpetuação da Espécie forte,

Tragicamente, ainda depois da morte,

Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apóstrofes e brados,

Os nossos esqueletos descarnados,

Em convulsivas contorções sensuais,

Haurindo o gás sulfídrico das covas,

Com essa volúpia das ossadas novas

Hão de ainda se apertar cada vez mais!

O FIM DAS COISAS

Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,

Arrancar, num triunfo surpreendente,

Das profundezas do Subconsciente

O milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,

Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente

De perscrutar o íntimo do orbe, invente

A lâmpada aflogística de Davy!

Em vão! Contra o poder criador do Sonho

o Fim das Coisas mostra-se medonho

Como o desaguadouro atro de um rio...

E quando, ao cabo do último milênio,

A humanidade vai pesar seu gênio

Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!

VIAGEM DE UM VENCIDO

Noite.