Os primeiros dois capítulos do romance foram estendidos, aumentando a introdução do marinheiro em suas viagens pelos mares do Norte, até encontrar Victor no gelo. Mary também tornou mais vagas as referências científicas – que com o passar do tempo iam sendo testadas e descartadas –, o que muitos estudiosos veem como um prejuízo para a obra, pois com isso perdem-se as teorias científicas da época (ainda que o romance tenha o mérito de eternizar conceitos científicos, como o galvanismo, para o grande público). Apesar de Mary manter a dedicatória para seu pai na edição final do romance, muitas das ideias políticas de Godwin foram suavizadas, indicando uma menor influência dele sobre os pensamentos da filha. Por fim, Mary aumentou o caráter nostálgico de Victor durante suas viagens, remetendo a seu amado Percy, já falecido. Seu marido é tido como a maior inspiração para a criação de Victor Frankenstein, assim é compreensível a fascinação excessiva com que o descreve o Capitão Walton, o marinheiro que sente “amargamente a falta de um amigo … gentil e ainda corajoso”; a paixão da autora pelo personagem, transposta para um mundo masculino, talvez tenha conferido à obra um involuntário homoerotismo:

Quando, em certa medida, ele se recuperou, eu o removi para minha própria cabine e cuidei dele tanto quanto meu dever permitia. Nunca vi criatura mais interessante; seus olhos têm geralmente uma expressão de selvageria, e até loucura, mas há momentos em que, se alguém tem um ato de bondade para com ele ou lhe oferece o serviço mais insignificante, toda a sua fisionomia se ilumina com um raio de benevolência e doçura que nunca vi igual.

Devo então perder esse ser admirável! Ansiei por um amigo; procurei alguém que se solidarizasse comigo e me amasse. Veja, nestes mares desertos, encontrei exatamente isso; mas temo que o tive apenas para conhecer seu valor e perdê-lo. Eu o reconciliaria com a vida, mas ele parece repelir a ideia.

Muitas das influências do romance são citadas textualmente através das leituras de Victor Frankenstein e da criatura: os estudiosos de filosofia natural, como Cornelius Agrippa e Paracelso; as experiências com eletricidade de Luigi Galvani; autores como Dante, Milton e Goethe; e obviamente Byron e Shelley.

O nome Frankenstein em si já possuía uma ligação histórica com a alquimia. Sua tradução é “Pedra dos Franks”, ou “Pedra dos francos”, sendo esse o antigo povo germânico que deu origem à França. Em Hesse, estado no centro da Alemanha, há ainda hoje o Castelo de Frankenstein, onde em 1673 nasceu Johann Conrad Dippel (morto em 1734), um alquimista profissional que criou “o elixir da vida”, um óleo de origem animal, obviamente sem efeitos comprovados. Também há boatos de que Dippel estudava anatomia em cadáveres e fazia experimentos com eletricidade. Não por acaso, muito do que conhecemos hoje do personagem Victor Frankenstein remete mais a essa figura (pelo castelo, o uso de cadáveres e da eletricidade) do que ao próprio romance. Apesar de não haver menção ao castelo no livro, tampouco qualquer referência direta a Dippel, sabe-se que Mary Shelley viajou pelo Reno em 1814 e visitou a cidade de Gernsheim, na Alemanha, a quinze quilômetros do Burgo Frankenstein.

A referência mais objetiva da autora encontra-se no subtítulo do romance, curiosamente pouco reproduzido nas diversas edições mundiais: O Prometeu moderno. O mito de Prometeu vem da Antiguidade grega. Há diversas versões para a história desse titã, filho de Urano, ao qual foi dada a tarefa de criar os animais e que do barro inventou o homem. Esse é o traço básico que o liga ao romance de Shelley, deixando claro que o Frankenstein chamado de Prometeu moderno é Victor, o criador, e não a criatura. A principal base de Shelley para esse mito veio de Prometeu acorrentado, tragédia do grego Ésquilo, na qual Prometeu é condenado por Zeus por roubar o fogo dos deuses e dá-lo aos homens. Entretanto, a ideia central do romance de Mary Shelley tornou-se tão conhecida e influente que sua importância mítica hoje é maior até que a do clássico grego: quem hoje conhece a história de Prometeu? Por outro lado, quem não conhece o monstro de Frankenstein?

Interessante notar o aspecto moral contido no romance – com Victor sendo punido por ter passado por cima de uma “autoridade superior” ao gerar a vida –, remetendo mais à Antiguidade grega que à ideologia cristã; o conflito do personagem parece advir mais de ter se aventurado “além da capacidade humana” que de invadir o campo de um Deus cristão. As vagas referências cristãs no romance parecem ser mais traços dos personagens, para estabelecer valores reconhecíveis da época, do que da autora. O nome de Cristo, por sinal, não é citado nem uma única vez (o que parece derivar das inclinações agnósticas de sua família). Porém há referências constantes ao Velho Testamento, como a criação de Adão e a condenação de Lúcifer.

Mary Shelley morreu em 1º de fevereiro de 1851, aos cinquenta e três, após anos com intensas dores de cabeça e problemas de visão que os médicos da época suspeitaram serem frutos de um tumor no cérebro. Deixou seu filho Percy e a nora, Jane, com quem morou nos últimos anos de sua vida. Não teve netos.

A leitura de Frankenstein se prova mais eterna do que atemporal. Certamente há um pesado estilo datado da época, muitas vezes rebuscado e redundante, que empresta um charme especial à obra. Os costumes registrados também podem parecer hoje bastante machistas (as ideias feministas da mãe de Mary Shelley devem figurar hoje na camada mais básica de uma sociedade dita igualitária), paternalistas e mesmo racistas; a cena em que Elizabeth é resgatada da pobreza pela família Frankenstein, apenas por ser loira e bela, teria gerado um massacre à autora, se escrita atualmente.

As biografias e análises desta apresentação servem para ampliar a discussão sobre o texto, sem intenção de incorrer em spoilers (se é que isso existe numa história tão conhecida). O romance certamente ainda guarda muitas surpresas e reviravoltas aos que chegam a ele agora, quem sabe vindos das adaptações mais recentes. Só de 2014 para cá foram feitas duas grandes produções para o cinema: Frankenstein, entre anjos e demônios, filme de ação dirigido por Stuart Beattie, baseado numa graphic novel; e Victor Frankenstein, de Paul McGuigan, com James McAvoy como Victor e Daniel Radcliffe como o incongruente Igor. Danny Boyle, diretor de Trainspotting, dirigiu uma versão para o teatro em 2011. Victor e a criatura também são personagens de destaque da série de TV americana Penny Dreadful (2014-16), e a TV britânica lançou a série The Frankenstein Chronicles, em 2015, sobre o mito em torno da criatura. A história parece ter a capacidade eterna de se moldar a diferentes tendências e roupagens, de acordo com a época.

Duzentos anos depois, mais do que nunca, pode-se exclamar com louvor sobre Frankenstein: “Está vivo! Está vivo!”

Santiago Nazariana

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