Da competição entre os amigos também resultou “O vampiro”, de Polidori, aproveitando ideias de Byron, conto que é considerado hoje um precursor do gênero romântico de vampiros.
2. Esta primeira versão de 1910 está em domínio público e pode ser encontrada facilmente em sites de compartilhamento de vídeos, como o YouTube.
a Santiago Nazarian é tradutor, roteirista e autor de romances que flertam com o suspense e o terror psicológico. Entre as dezenas de obras que traduziu estão os clássicos O Mágico de Oz, de Frank L. Baum, A lenda do cavaleiro sem cabeça, de Washington Irving, e Os filhos de Odin, de Padraic Colum.
FRANKENSTEIN
OU O PROMETEU MODERNO1
1. O mito grego de Prometeu, que foi uma das bases de inspiração para Mary Shelley, é discutido na apresentação deste livro.
VOLUME UM
CARTA I
Para a sra. Saville, Inglaterra
São Petersburgo, 11 de dezembro de 17–
Você vai gostar de saber que nenhum desastre ocorreu durante o início do empreendimento que você encarou com presságios tão sombrios. Cheguei aqui ontem; e minha primeira tarefa é assegurar minha querida irmã de meu bem-estar e da confiança crescente no sucesso da empreitada.
Já estou bem ao norte no mapa, em relação a Londres; e conforme caminho pelas ruas de Petersburgo sinto uma fria brisa polar brincar com minhas bochechas, o que detém meu nervosismo e me enche de prazer. Você compreende a sensação? Essa brisa, que migrou das regiões em direção às quais avanço, me antecipa o gosto daquele clima gelado. Inspirados por esse vento de promessa, meus sonhos diurnos se tornam mais ferventes e vívidos. Tento em vão ser convencido de que o polo é apenas geleira e desolação; mas ele sempre se apresenta à minha imaginação como a região de beleza e prazer. Lá, Margaret, o sol é sempre visível, seu amplo disco apenas roçando o horizonte e difundindo um esplendor perpétuo. Lá – permita-me, minha irmã, depositar certa confiança em navegadores precedentes –, neve e geleira são banidos; e, viajando num mar calmo, seremos levados a uma terra que ultrapassa em maravilhas e em beleza cada região até aqui descoberta neste globo habitável. Seus traços e características podem não ter igual, como o fenômeno dos corpos celestiais sem dúvida é nessas solidões não descobertas. O que não esperar de uma terra de luz eterna? Lá, descobrirei talvez o maravilhoso poder que atrai o ponteiro2 e empreenderei milhares de observações celestiais que requerem apenas esta viagem para conferir eterna consistência a suas aparentes excentricidades. Saciarei minha ardente curiosidade com a visão de uma parte do mundo nunca antes visitada, e poderei avançar numa terra nunca antes marcada pelo pé do homem. São essas as minhas motivações, e são suficientes para vencer todo o medo do perigo da morte e me induzir a iniciar essa laboriosa viagem com o prazer que uma criança sente quando entra num barquinho com seus colegas de férias numa expedição de descoberta pelo rio de sua cidade. Mas, supondo que todas essas conjecturas sejam falsas, você não tem como contestar o inestimável benefício que poderei propiciar a toda a humanidade, até a última geração, ao descobrir uma passagem perto do polo para países que atualmente demandam tantos meses para serem alcançados; ou ao comprovar o segredo do magnetismo que, se de todo for possível, somente poderá ser realizado por um empreendimento como o meu.
Essas reflexões dissiparam a agitação com a qual comecei minha carta, e sinto meu coração iluminado com um entusiasmo que me eleva aos céus; pois nada contribui tanto para tranquilizar a mente como um propósito firme – um ponto no qual a alma pode fixar seu olhar intelectual. Esta expedição foi o sonho favorito de meus primeiros anos. Li com ardor os relatos de várias viagens cujo objetivo era chegar ao oceano Pacífico Norte pelos mares que cercam o polo. Você deve se lembrar de que a biblioteca de nosso bom tio Thomas consistia inteiramente de histórias de expedições. Minha educação foi negligenciada, mas ainda assim eu era apaixonado por leitura. Esses volumes foram meu estudo dia e noite, e minha familiaridade com eles aumentou o pesar que senti, quando criança, ao saber que a imposição de meu pai moribundo proibira meu tio de permitir que eu embarcasse numa vida de marinhagem.
Essas visões se apagaram quando mergulhei pela primeira vez na leitura daqueles poetas cujas exaltações hipnotizaram minha alma e a elevaram aos céus. Também eu me tornei um poeta, e por um ano vivi num paraíso de minha própria criação; imaginei que também poderia obter um lugar no templo onde os nomes de Homero e Shakespeare3 estão consagrados. Você conhece bem o meu fracasso e sabe o quanto essa decepção me pesou. Mas, bem naquela época, herdei a fortuna de meu primo, e meus pensamentos se voltaram para suas primeiras inclinações.
Seis anos se passaram desde que me decidi pela presente missão. Posso até me lembrar do instante em que comecei a me dedicar a esse grande empreendimento. Iniciei habituando meu corpo à adversidade. Acompanhei os baleeiros em várias expedições ao mar do Norte; suportei, voluntariamente, frio, fome, sede e sono; com frequência trabalhava mais duro que os marinheiros comuns durante o dia e dedicava minhas noites ao estudo da matemática, à teoria da medicina e aos ramos da física dos quais uma aventura marítima poderia extrair a maior vantagem prática. Por duas vezes, de fato me empreguei como ajudante num baleeiro da Groenlândia, e conquistei admiração. Preciso dizer que fiquei um pouco orgulhoso quando meu capitão me alçou a segundo-imediato na embarcação e pediu com a maior sinceridade que eu permanecesse, de tão valiosos que ele considerava meus serviços.
E agora, querida Margaret, será que não mereço conquistar algum grande feito? Minha vida poderia ter sido de luxo e sem percalços; mas preferi a glória a qualquer sedução que a riqueza tenha colocado em meu caminho.
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