É um inglês e, entre preconceitos nacionais e profissionais não amaciados pela cultura, retém alguns dos mais nobres dons da humanidade. Eu o conheci a bordo de uma embarcação baleeira; ao descobrir que estava desempregado nesta cidade, contratei-o facilmente para ajudar em minha missão.

O mestre é uma pessoa de excelente disposição, e é notável no navio pela gentileza e a disciplina tranquila. Essa circunstância, acrescida de sua bem conhecida integridade e coragem destemida, me deixou muito desejoso de contratá-lo. Uma juventude vivida em solidão, meus melhores anos passados sob sua tutela gentil e feminina, minha irmã, refinaram tanto as fundações de minha personalidade que não consigo superar uma aversão intensa à costumeira brutalidade exercida a bordo de um navio: nunca acreditei que ela fosse necessária, e quando escuto sobre um marinheiro igualmente reconhecido por sua bondade no coração e o respeito e a obediência prestados a ele por sua tripulação, sinto-me peculiarmente afortunado por poder contratar seus serviços. Ouvi falar dele pela primeira vez de uma maneira bem romântica, por uma senhora que lhe deve a felicidade de sua vida. Esta é brevemente sua história. Há alguns anos, ele amou uma jovem russa de fortuna modesta e, tendo reunido uma soma considerável em dotes, o pai da menina consentiu com o casamento. Ele viu a amada uma vez antes da fatídica cerimônia, mas ela estava banhada em lágrimas e, jogando-se aos pés dele, implorou-lhe que a poupasse, confessando amar outro, mas que este era pobre e seu pai nunca consentiria com a união. Meu generoso amigo confortou a suplicante e, ao ser informado do nome de seu amante, instantaneamente abdicou de sua concorrência. Já havia comprado uma fazenda com seu dinheiro, na qual planejara passar o resto da vida; mas entregou-a inteira a seu rival, junto com o que sobrava de seus dotes, para que comprasse gado; então ele próprio solicitou ao pai da jovem que consentisse com o casamento dela com o amado. Mas o velho recusou decididamente, achando-se preso por uma questão de honra ao meu amigo, que, quando notou que o pai estava irredutível, abandonou seu país sem voltar até ouvir que sua antiga amada se casara de acordo com suas inclinações. “Que sujeito nobre!”, você vai exclamar. Ele é, sim; mas é totalmente inculto: é silencioso como um turco, e um tipo de descuido ignorante o assola, o que, embora torne sua conduta ainda mais espantosa, afasta-o do interesse e da simpatia que, caso contrário, ele provocaria.

Mas não pense que, porque reclamo um pouco ou porque concebo um consolo que jamais alcançarei para minha labuta, estou vacilando em minhas resoluções. Estas estão tão firmes quanto o destino, e minha viagem agora só se atrasa até que o clima permita o embarque. O inverno tem sido terrivelmente severo, mas a primavera promete, e espera-se que seja uma estação notavelmente precoce; então talvez eu possa navegar antes do que esperava. Não devo fazer nada impulsivamente: você me conhece o suficiente para confiar em minha prudência e consideração sempre que a segurança de terceiros está entregue aos meus cuidados.

Não posso descrever a você minhas emoções com a perspectiva próxima de minha empreitada. É impossível transmitir essa sensação trêmula, metade prazer e metade temor, com a qual estou me preparando para partir. Vou para regiões inexploradas, para a “terra de neblina e neve”, mas não matarei um albatroz que seja, portanto não se alarme por minha segurança ou se eu voltar a você tão gasto e lastimável quanto o “Velho Marinheiro”.5 Você vai sorrir com minha alusão; mas vou revelar um segredo. Frequentemente atribuo meu compromisso, meu apaixonado entusiasmo pelos perigosos mistérios do oceano, à produção dos mais imaginativos poetas modernos. Há algo operando em minha alma que eu não entendo. Estou quase diligente, minucioso, um operário a se dedicar com perseverança e labuta; mas, além disso, em todos os meus projetos, há um amor pelo maravilhoso, uma crença no maravilhoso que me apressa para longe dos caminhos comuns dos homens, até o mar selvagem e regiões não visitadas que estou prestes a explorar.

Mas voltemos a considerações mais estimadas. Será que irei encontrá-la novamente após ter atravessado imensos mares e voltado pelo cabo mais meridional da África ou da América? Não ouso esperar tal sucesso, ainda assim não posso suportar olhar para o outro lado da moeda. Continue por ora a escrever para mim a cada oportunidade: vou receber suas cartas quando mais precisar delas para sustentar meu ânimo. Eu a amo com ternura. Lembre-se de mim com afeto, se nunca mais souber de mim novamente.

Seu amoroso irmão,

Robert Walton

5. Referência ao poema “A balada do Velho Marinheiro” (“The Rime of the Ancient Mariner”, 1798), do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge, em que um marinheiro em águas glaciais mata um albatroz, trazendo má sorte para sua embarcação.

CARTA III

Para a sra. Saville, Inglaterra

7 de julho de 17–

Minha querida irmã,

Escrevo algumas linhas apressadas para dizer que estou em segurança – e bem avançado em minha viagem. Esta carta chegará à Inglaterra por um mercador que agora volta para casa, saindo de Arcangel; mais afortunado do que eu, que não poderei ver minha terra natal talvez por muitos anos. Porém estou num humor positivo: meus homens são fortes e aparentemente de propósitos firmes, nem as camadas flutuantes de gelo que continuamente passam por nós, indicando os perigos da região em direção à qual estamos avançando, parecem desmotivá-los. Já chegamos a uma latitude bem elevada; mas é alto verão, e, apesar de não ser tão quente quanto na Inglaterra, as ventanias do sul, que nos levam velozes em direção a essas praias que tão ardentemente desejo atingir, trazem um sopro de calor renovador que eu não esperava.

Nenhum incidente até então recaiu sobre nós que pudesse impressionar numa carta.