O meu pai envia-me de vez em quando alguma coisa e quando conseguir juntar dinheiro suficiente com a venda dos ovos vou comprar um casal de patos, porque aqui há um tanque que serve muito bem para eles. E fica sabendo que os ovos de pata pagam-se muito bem e os patos pequeninos são muito graciosos quando deslizam sobre a água – explicou Tommy com ares de pessoa entendida.

Nathaniel suspirou, pensando que não tinha pai, nem dinheiro, nem qualquer outra coisa além de um velho bolso vazio e habilidade para tocar violino.

Tommy compreendeu o que significava aquele suspiro e, depois de uma breve e profunda reflexão, exclamou:

– Ouve, vou dizer-te o que pensei. Aborrece-me muito andar atrás dos ovos que as minhas galinhas põem. Se quiseres encarregar-te desse trabalho, eu dou-te um ovo por cada dúzia que juntares. Quando tiveres doze poderás vendê-los por vinte e cinco centavos à mamã Bhaer e com esse dinheiro farás o que te apetecer.

– Contrato fechado! És um bom amigo! – exclamou Nat, feliz e deslumbrado com a proposta.

– Ora! Ora! Não falemos mais nisso. Começa já a procurar no celeiro, que eu espero-te aqui. A minha Cinderela está a cacarejar e certamente vais lá encontrar um ovo  disse Tommy, deitando-se na palha, satisfeito por ter realizado um bom contrato e ao mesmo tempo cometido uma boa ação.

Nat começou alegremente a procurar, e espantando as galinhas e remexendo tudo, andou de recanto em recanto até encontrar dois magníficos ovos, um oculto debaixo de uma viga e outro depositado numa medida de grão.

– Dá-me um, que preciso para completar uma dúzia,ficarás com o outro e, a partir de amanhã, começaremos a contar. Aqui, com giz, podes tomar as tuas notas junto às minhas e assim verificamo-las facilmente  disse Tommy, mostrando uma fila de sinais misteriosos traçados sobre uma velha máquina debulhadora.

Com ar de importante solenidade, o orgulhoso proprietário de um ovo abriu uma conta-corrente com o seu amigo, o qual, rindo a bom rir, escreveu sobre os sinais esta frase imponente:

"Thomas & Companhia".

O pobre Nat estava tão fascinado que a custo se persuadiu que devia ir depositar o seu primeiro troço de propriedade móvel na cesta dos ovos de Asia. A seguir os dois garotos voltaram para trás e, depois de passar revista a dois cavalos, a seis vacas, a três porcos e a um vitelinho, Tommy levou o seu amigo a visitar um salgueiro já idoso que crescia junto ao ribeiro. Subindo a cerca era fácil atingir um amplo ninho formado por ramos e folhas arrancadas da copa da árvore. Na parte superior dos troncos as podas anuais tinham deixado grossos ramos nus, que, voltando a crescer, formavam uma espécie de cúpula verde. Ali haviam arranjado uns diminutos assentos e, num buraco habilmente escavado, existia um espaço suficientemente grande para guardar dois livros, um barquito desmantelado e alguns apitos.

– Este lugar é de "Meio- Brooke" e meu. Fizemo-lo nós e sem nossa autorização ninguém pode subir para aqui, exceto Daisy, mas essa não nos incomoda que suba – declarou Tommy, enquanto Nat olhava arrebatado para o ribeiro e para os enxames de abelhas que zumbiam e se banqueteavam com o néctar das perfumadas flores do jardim.

– Mas isto é muito bonito! Espero que consintas que eu suba mais algumas vezes. Nunca vi nada tão lindo! Gostava de ser pássaro para viver sempre neste ninho – disse Nat.

– Está bem. Podes subir se "Meio-Brooke" te autorizar, e suponho que sim, porque a noite passada ele disse que tu eras muito simpático.

– Deveras? – perguntou Nat, com um sorriso de júbilo, muito estimando a simpatia de "Meio-Brooke", a quem tinha em elevado conceito por o achar sério e afável e por ser sobrinho do papá Bhaer.

– Sim, "Meio-Brooke" gosta dos rapazes sossegados e haveis de ser bons amigos se procurares ler tão bem como ele.

Nat ruborizou-se ao ouvir estas palavras e balbuciou:

– Não leio muito bem porque nunca tive tempo para aprender;  já sabes que vivia a tocar violino para ganhar a vida.

– Pois eu gosto muito de ler, e leio razoavelmente quando é preciso – afirmou Tommy, admirado por se ver perante um rapaz de dez anos que ainda sabia ler mal.

– Mas posso ler um pedaço de música – acrescentou Nat, envergonhado da sua ignorância.

– Pois eu não – replicou Tommy, com certo respeito.

– Quero estudar e aprender tudo o que possa. São difíceis as lições do Sr. Bhaer?

– Não, são fáceis, e quando surge uma pequena dificuldade ele explica até que aprendamos. Outros mestres são muito diferentes.Tive um antes do Sr. Bhaer que, quando nos enganávamos numa lição, batia-nos  disse Tommy, coçando a cabeça ao lembrar-se dos métodos de ensino, nada meigos, do outro professor.

– Parece-me que sou capaz de ler isto – disse Nat, depois de olhar para um dos livros guardados no esconderijo.

– Então vá lá, lê um bocadinho, que eu ajudo-te – exclamou Tommy, com ar protetor.

Soletrando e gaguejando levemente, Nat leu o melhor que pôde e soube, carinhosamente auxiliado por Tommy, o qual declarou, com toda a autoridade, que bem depressa o seu amigo leria tão bem como o melhor aluno da casa. A seguir continuaram a palrar infantilmente acerca de diversos temas e em especial de horticultura, porque Nat, do seu elevado assento, perguntava o que tinham semeado nos talhões de terreno que se viam no outro lado do ribeiro.

– Esses talhões são as nossas fazendas. Cada um tem a sua propriedade e semeia nela o que mais gostar. Mas não podemos escolher muito nem fazer trocas até depois da colheita e temos de cuidar dos nossos campos durante o Verão.

– O que semeaste este ano?

– Favas para o gado, porque é uma colheita fácil de fazer.

Nat desatou a rir. Tommy deitou o chapéu para trás, meteu as mãos nos bolsos e disse, lenta e gravemente, imitando, sem o saber, Silas, o jardineiro-hortelão da casa:

– De que te estás a rir? As favas são muito mais fáceis de cultivar do que os cereais. O ano passado semeei melões, mas os pássaros comeram os frutos sem os deixar amadurecer e apenas colhi uma linda melancia e dois melõezinhos.

– Os cereais estão muito crescidos – observou cortesmente Nat, contendo o riso.

– Sim, mas exigem muitos cuidados. As favas crescem em cinco ou seis semanas e ficam boas muito depressa. Eu pude semeá-las porque fui o primeiro a falar nisso. "Traga-Bolos" queria semeá-las também, mas teve de contentar-se com ervilhas. Estas têm o inconveniente de requerer muitos cuidados, pelo que terá de proceder com mil cautelas se quiser comer ervilhas.

– Também vou ter a minha horta? – perguntou Nat, pensando que, embora os cereais exigissem muito trabalho, tratava-se de uma cultura de grande entretenimento e muito agradável.

– Creio que sim – respondeu cá debaixo o Sr. Bhaer, que regressava do passeio e vinha buscar os pequenos, pois invariavelmente costumava passear todos os dias com cada um dos seus discípulos.

Ao encontrar-se com aqueles dois tagarelas aproveitou a ocasião para começar a traçar os planos para a semana que principiava.

A simpatia é uma grande força e opera maravilhas. Os pequenos sabiam que o papá Bhaer se interessava sinceramente por eles e estavam sempre dispostos por isso a serem francos, em especial os mais velhinhos, que gostavam de falar-lhe dos seus projetos e das suas esperanças no futuro. Em caso de doença ou aflição voltavam-se instintivamente para a tia Jo, que sempre se comportava como uma mãe de todos.

Ao descer do salgueiro, Tommy caiu no riacho, como tantas vezes lhe acontecia; escorreu, tranquilamente, a água e dirigiu-se para casa, a fim de se enxugar. Nat ficou, pois, só com o Sr.