Bhaer, que era o que este exatamente desejava, e durante o tempo em que andaram a examinar os canteiros do jardim e os talhões o mestre conseguiu conquistar a amizade do rapaz, oferecendo-lhe uma "propriedade" e discutindo com ele sobre as colheitas tão seriamente como se o sustento da família dependesse do resultado delas. Conversaram também sobre diversos temas, que despertaram esperanças, recebidas com a mesma ânsia com que a terra sedenta recebe as primeiras chuvas primaveris. Enquanto comia, o rapaz esteve pensando em todas essas risonhas perspectivas e, de vez em quando, fixava o olhar no Sr. Bhaer, como a dizer-lhe: 

"Agrada-me a oferta. Não falte o senhor ao prometido".

Não se sabe se o mestre compreendeu ou não a muda linguagem do pequeno; todavia, quando se encontraram reunidos no quarto da Sra. Bhaer para a tertúlia noturna do domingo, o bom sujeito escolheu como tema de conversa um assunto que parecia sugerido pelo passeio no jardim.

Nat, quanto mais observava, mais se convencia de que aquela era uma numerosa familia e não uma escola. Os pequenos estavam sentados em cadeiras e sobre o tapete, formando um amplo semicírculo próximo do fogo. Daisy e "Meio-Brooke" tinham ocupado os joelhos do tio. Rob, muito aconchegado, sentara-se no braço da cadeira da mãe, disposto a dormir se a conversa não lhe agradasse. Todos estavam satisfeitos e escutavam o Sr. Bhaer com atenção, gozando aquele descanso após o grande passeio e preparando-se para responder, pois já sabiam que a cada um seria pedida a sua opinião.

Os meninos pensaram nas suas respectivas respostas e alguns sentiram remorsos por terem contribuído para o esgotamento das provisões de paciência da bondosa tia Jo.

Franz precisava de perseverança; Tommy, firmeza; Ned, doçura de carácter; Daisy, diligência; "Meio-Brooke", "tanta sabedoria como o avô"; Nat confessou, com humildade, achar-se necessitado de muitas coisas e deixou que o Sr. Bhaer decidisse em seu lugar. Os outros escolheram quase todos o mesmo: paciência, constância, generosidade e bom humor. Um dos pequenos desejava gostar de se levantar cedo, mas não sabia que nome dar àquela espécie de planta; "Traga-Bolos" exclamou, suspirando:

– Gostava de ter vontade de estudar tanto como gosto de comer, mas não é possível.

– Semeemos abnegação e cavemo-la, reguemo-la e faremos com que cresça tanto que no próximo Natal ninguém ficará doente por comer muito. Se exercitares a tua imaginação, querido Jorge, verás que o entendimento chega a sentir tanta fome como o estômago e hão de agradar-te tanto os livros como te agrada ouvir os meus contos  advertiu o professor, que, a seguir, acariciando "Meio-Brooke", disse:  Também tu, meu filho, és glutão e gostas de encher o cérebro com contos de fadas e com fantasias, do mesmo modo que Jorge enche o estômago com pastéis e guloseimas. Ambos os excessos são maus e devem evitá-los. A aritmética não é tão agradável como as Mil e uma Noites, já o sei, mas é muito mais útil, e agora é altura de a aprenderes, para que depois te não envergonhes da tua ignorância.

– Mas Henrique e Luzia e Robinson não são livros fantásticos, falam de construções, trabalhos e lavores úteis e eu gosto deles, não é verdade, Daisy?

– Sim, mas lês mais o Pássaro Azul do que Henrique e Luzia e preferes Simbad o Marinheiro a Robinson. Vá, vou fazer uma combinação com os dois; o Jorge não comerá mais do que três vezes por dia e tu não lerás mais do que um livro de contos por semana; em troca, dar-vos-ei um novo campo para jogar o críquete; mas tereis de me permitir que jogue também  insistiu o mestre, porque sabia que "Traga-Bolos" se negaria a correr e que "Meio-Brooke" consagraria as horas de recreio a enfronhar-se na leitura.

4. A cozinha de Daisy 

 Que tens, Daisy?

– Os meninos não querem deixar-me brincar com eles.

– Porquê?

– Porque dizem que as meninas não podem jogar à bola.

– Sim, podem, porque eu também joguei – observou a mamã Bhaer, lembrando-se dos tempos da sua infância.

– Eu sei que posso, porque das outras vezes tenho jogado com meu irmão, mas agora não quer que eu jogue com ele porque os outros meninos troçam dele – declarou Daisy, irritada.

– Teu irmão tem razão. Vou tentar arranjar-te alguma coisa que te distraia.

– Estou cansada de brincar sozinha – disse Daisy, tristemente.

– Brincarei contigo um bocado, embora esteja muito atarefada, porque tenho de ir à cidade. Vens comigo e vais ver a avozinha, e, se quiseres, ficarás ao pé dela.

– Gostava de vê-la e a Josy também, mas se permites voltarei contigo; "Meio-Brooke" sentiria a minha falta, e, além disso, gosto muito de estar ao pé de ti.

– Não consegues habituar-te a viver longe do teu irmão?

– Não, querida tia, gostamos muito um do outro – afirmou Daisy, com certo orgulho.

– Bom, com que te vais entreter enquanto acabo de meter esta roupa branca no armário?

– Não sei; estou farta de bonecas e gostava de um brinquedo novo.

– Agora reparo que ainda não foste espreitar o que a Asia está a arranjar para o almoço.

– Vou lá ver, se a Asia não estiver de mau humor – murmurou Daisy, afastando-se lentamente em direção aos fogões, onde a negra cozinheira era rainha absoluta.

Cinco minutos depois voltava muito contente com um pedaço de massa na mão e o nariz cheio de farinha.

– Tia, vamos amassar a farinha e fazer bolos e pastéis. A Asia está bem disposta e consente. Posso ir para lá?

– Sim, minha filha; vai em boa hora e faz o que te apetecer. Podes lá ficar o tempo que quiseres.

Daisy afastou-se rapidamente e a tia ficou a pensar num novo brinquedo para ela. De repente sorriu, fechou o armário e disse para si própria:

– Já sei, parece-me que é possível.

Ninguém, durante aquele dia, se apercebeu do projeto da mamã Bhaer; quando anunciou a Daisy que ia comprar-lhe um novo brinquedo a pequena ficou radiante e, enquanto iam a caminho da cidade, assaltou-a com perguntas, sem que conseguisse obter uma resposta que lhe permitisse adivinhar de que é que iria ser dona. Daisy ficou com a avó e com Joey, enquanto a tia foi fazer compras. Quando voltou, carregada de embrulhos que foram arrumados na diligência, a pequena ficou presa de tal curiosidade que manifestou desejos de regressar imediatamente a Plumfield. Mas a tia Jo não tinha pressa e esteve a conversar com a avó, referindo-se às proezas dos rapazes.

Certamente, sem que Daisy tivesse dado por isso, a tia Jo pusera a avó ao corrente do segredo, porque quando a boa senhora lhe pôs o chapelito e lhe deu um beijo de despedida, disse-lhe:

– Sê boa, Daisy, e procura tirar proveito da magnífica prenda que acabam de comprar-te. Já podes ir agradecendo a tua tia por ensinar-te a usá-la, pois sei que o seu manejo não é muito do seu agrado.

Ambas as senhoras se puseram a rir e divertiram-se imenso ao ver a expressão de curiosidade da pequena.

Ao entrar em casa, Daisy não tirava os olhos dos pacotes que iam descendo da diligência e notou que Franz carregou com um embrulho grande e pesado, levando-o para o quarto imediato ao da tia Jo.

Daisy estava excitada e o seu nervosismo e curiosidade contagiaram os pequenos, que assaltaram a mamã Bhaer com oferecimentos de ajuda. Mas a boa senhora recusou-se a aceitar colaboração.

Os rapazes, após breve meditação, convidaram amavelmente Daisy para que brincasse com eles às quilhas, aos soldados, ao futebol... A pequena ficou espantada por, de modo tão inesperado, lhe prodigalizarem tantas atenções.

Passou a tarde muito divertida; deitou-se cedo e na manhã seguinte aprendeu tão bem as lições que o papá Bhaer lamentou que não houvesse maneira de dispor de um brinquedo novo todos os dias.