Os rapazes sobressaltaram-se quando viram que deixavam Daisy sair da aula às dez, porque todos sabiam que ia tomar posse do prodigioso e desconhecido brinquedo. Seguiram-na com um olhar ansioso e estavam todos mais ou menos distraídos, como "Meio-Brooke", que, quando Franz lhe perguntou onde ficava o deserto do Saara, respondeu prontamente:
– No quarto imediato ao da tia Jo. – Escusado é dizer que a classe inteira soltou uma gargalhada.
Entrando apressadamente no quarto da tia, Daisy gritou:
– Já dei a lição! Não posso esperar mais!
– Vem, está tudo pronto -– respondeu a mamã Bhaer, pegando em Teddy ao colo, apanhando o cesto da costura e passando ao quarto contíguo.
– Não vejo nada – disse Daisy, olhando com ansiedade.
– Ouves alguma coisa? – perguntou a tia Jo, contendo Teddy, que desatou a correr para um dos lados do quarto.
Daisy ouviu um rumor estranho e a seguir um ruído como o de uma panela quando está a ferver. O som vinha detrás de uma cortina sobre o espaçoso vão da janela. Daisy correu-a, lançou um enorme "oh!" de júbilo e ficou pasmada, contemplando tudo deleitada.
– Que magnífico brinquedo! Vão deixar-me cozinhar, preparar refeições, acender o lume e varrer? Sim? Que alegria! Como te ocorreu oferecer-me este trem de cozinha?
– Ao observar que gostavas de ajudar a Asia. Supus que a nossa cozinheira te não deixaria mexer com frequência nos seus cozinhados; além disso, ali corrias o risco de te queimares. Então pensei oferecer-te um fogão adequado e ensinar-te a cozinhar e assim terás arranjado um entretenimento proveitoso. Fartei-me de procurar e meter o nariz nas lojas de brinquedos, mas tudo quanto encontrava era grande e muito caro. Casualmente encontrei-me com o tio Teddy, o qual, generosamente, se prontificou a ajudar-me e fez questão de adquirir o melhor trem de cozinha que encontrámos. Eu opus-me, mas o tio lembrou-me os tempos em que, sendo eu menina, cozinhava também; e seguidamente tratou de comprar todas as caçarolas e utensílios mais bonitos que encontrou na loja, com destino às "cozinheiras de trazer por casa".
– Oh que bom que foi que lá estivesse o tio Teddy!
– É preciso que sejas muito aplicada e que aprendas bem a tua nova ocupação. O tio disse-me que pensa vir cá com frequência tomar chá e espera que lhe sejam servidos bons e requintados petiscos.
– Não há no mundo cozinha mais linda nem mais graciosa do que esta. Não sei de nada melhor do que aprender a cozinhar nela. Poderei aprender a fazer macarrão, pastéis, bolos e tudo, não é verdade? – respondeu Daisy, dando pulos com a concha numa mão e a escumadeira na outra.
– Quando quiseres. Nomeio-te minha cozinheira particular e vou ensinar-te a fazer todos os pratos que quiseres; assim terás sempre algum acepipe extraordinário para fazer e, pouco a pouco, irás aprendendo a cozinhar. Passarás a chamar-te Sally quando estiveres a fazer de cozinheira particular – advertiu a mamã Bhaer, enquanto Teddy ia chupando no dedo e olhando estupefacto para a cozinha.
– Acho muito bem! Começarei então por ser a Sally.
5. Aventuras e desventuras de Dan
– Dá-me licença, minha senhora? Posso falar-lhe por um momento acerca de um assunto muito importante? – perguntou Nat, assomando a cabeça pela porta entreaberta do quarto da mamã Bhaer.
Em meia hora era esta a quinta audiência solicitada à boa senhora.
A tia Jo levantou os olhos e respondeu afavelmente:
– Que desejas, meu filho?
Nat entrou, fechou a porta e exclamou:
– Acaba de chegar Dan.
– E quem é esse Dan?
– Um rapaz a quem conheci quando era músico ambulante, vendia jornais e tratava-me com amizade. Outro dia encontrei-o na cidade e contei-lhe como estava bem aqui e ele resolveu vir até cá também.
– Então veio depressa visitar-te.
– Não veio visitar-me. Vem viver para aqui se a senhora o consentir.
– Mas não sei quem é, nem conheço os seus antecedentes.
– Julguei que a senhora gostasse de recolher meninos pobres e tratá-los com amor como me trata a mim – disse Nat, surpreendido e um pouco alarmado.
– Sim, mas primeiro necessito de informar-me acerca deles e fazer uma escolha, porque receio não dispor de casa para todos.
– Eu não sabia nada disso, de modo que o convidei; mas, enfim, se não há lugar para ele que se vá embora – murmurou tristemente Nat.
Comovida e desejosa de não frustrar a esperança que o pequeno forjara acerca da hospitalidade em Plumfield, a mamã Bhaer respondeu:
– Diz-me o que sabes acerca de Dan.
– Nada mais sei; sei apenas que não tem família, que é pobre, que me tratou com amizade e que se eu pudesse o ajudaria.
– Já é alguma coisa o que me dizes, mas não sei onde acomodá-lo – afirmou a mamã Bhaer, sempre disposta a praticar o bem.
– Podia deitar-se na minha cama; eu iria dormir para o palheiro. Agora não está frio e não me importava de dormir sobre a palha. Pior muito pior, passava eu quando vivia com meu pai...
Emocionada e acariciando o garoto, a tia Jo retorquiu:
– Traz o teu amigo, Nat, e eu tratarei de o alojar sem ser preciso ceder-lhe o teu lugar.
Nat saiu alegremente e voltou em seguida trazendo um rapaz de aspecto pouco simpático, algo intratável e que olhava com un ar meio atrevido, meio insolente.
Após uma rápida inspeção, a mamã Bhaer pensou para consigo: "Não prevejo dias muito felizes com este novo hóspede".
– Este é que é o Dan – informou Nat.
– Nat disse-me que gostarias de viver connosco.
– Sim.
– Não tens família nem amigos que olhem por ti?
– Não.
– Diz "não, minha senhora" – advertiu Nat.
– Não tenho ninguém.
– Quantos anos tens?
– Vou fazer catorze.
– Pareces ter mais. O que é que sabes fazer?
– Quase tudo.
– Se ficares aqui trabalhas, estudas e brincas como os outros. Agrada-te?
– Não me importo de experimentar.
– Está bem. Ficarás, pois, aqui alguns dias e veremos como nos damos contigo. Nat, leva o teu amigo e entretém-no até que volte o papá Bhaer; então resolveremos em definitivo – indicou a tia Jo, achando um tanto embaraçoso continuar a conversa com aquele rapaz que a fitava com olhos, negros e grandes, cheios de uma firme expressão dura, receosa, triste e imprópria da sua tenra idade.
– Vamos, Nat – exclamou o novo hóspede, afastando-se.
– Muito obrigado, minha senhora – murmurou Nat, abandonando a sala e comparando a recepção que lhe tinham feito e a que faziam ao seu amigo. A seguir exclamou: – Os meus companheiros estão no celeiro, brincando ao circo. Queres ir até lá?
– São rapazes maiores do que eu?
– Não; os mais velhos foram à pesca.
– Então vamos.
Nat levou-o até ao celeiro e apresentou-o ao grupo de miúdos que estavam a brincar dentro das tulhas meio vazias. No chão tinham desenhado um grande círculo e no centro estava "Meio-Brooke" empunhando um chicote. Tommy, montado sobre o pacífico jumentinho, fazia cabriolices e brincava imitando um macaco amestrado.
– A entrada custa um alfinete – observou "Traga-Bolos", que se encontrava à porta, mesmo ao lado do carrinho de mão que fazia de estrado para a orquestra, constituída por Ned, que soprava sobre um pente coberto com papel de seda, e por Rob, que batia furiosamente num tacho.
– Este é um convidado e eu pago por ele – disse Nat, cravando generosamente dois alfinetes torcidos numa folha de papel que fazia de caixa do dinheiro.
Os dois novos espectadores saudaram com uma inclinação de cabeça a companhia e tomaram lugar sobre um montão de tábuas. O espetáculo continuou. Quando o macaco amestrado concluiu os seus trabalhos, Ned executou um número de saltos sobre uma cadeira velha e trepou agilmente por várias escadas. "Meio-Brooke" bailou com ar solene, Nat foi indigitado para lutar com "Traga-Bolos" e com grande rapidez atirou ao chão o corpulento miúdo.
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