Fumou cada um por sua vez até os mais novos ficarem agoniados. Dan, recordando os tempos em que andava com a garotada, fumou, bebeu, disse fanfarronadas e até se permitiu praguejar em voz baixa.

– É muito feio praguejar – disse Tommy.

– Diabos te levem! Não me venhas com sermões; dizer palavrões faz parte da paródia.

– Pois então, se queres praguejar diz "Rebenta-rolas" – murmurou Tommy, que tinha inventado aquela expressão e se orgulhava muito dela.

– E eu digo "Diabo!", soa muito bem – disse Nat.

Dan troçou da simplicidade dos seus companheiros e praguejou à vontade, enquanto lhes ensinava o jogo de cartas.

Mas Tommy já estava a dormir, e a cerveja e o tabaco tinham feito dores de cabeça a Nat; assim nenhum deles conseguia aprender o jogo e as cartas caíram-lhes das mãos. O quarto estava quase às escuras, porque a lanterna funcionava muito mal; os jogadores não podiam rir, nem falar alto, nem mexer-se muito, porque Silas dormia paredes meias com eles. A partida estava a tornar-se, pois, muito aborrecida. A meio do jogo, Dan deteve-se, apagou a lanterna e perguntou com voz assustada:

– Quem vem aí?

– Não vejo Tommy! – murmurou uma voz titubeante, ao mesmo tempo que se ouviam uns passos miúdos no corredor.

– É "Meio-Brooke" que foi à tua procura. Corre, Tommy, mete-te na cama e não faças barulho – ordenou Dan, fazendo desaparecer todos os vestígios da jogatina e despindo-se rapidamente. Nat seguiu-lhe o exemplo.

Tommy foi a correr para o seu quarto, meteu-se na cama e pôs-se a rir em silêncio até que alguma coisa lhe queimou a mão. Verificou então que ainda conservava entre os dedos a ponta do cigarro que fumava quando se interrompera a festa. O cigarro estava a apagar-se e o rapaz dispunha-se a extingui-lo de todo quando ouviu a voz de Hummel. Com receio que a ponta o denunciasse se a guardasse na cama, deitou-a para debaixo dela.

Hummel entrou com "Meio-Brooke", que se admirou vendo Tommy deitado tranquilamente.

– Pois se ainda há pouco não estava aqui, visto que me levantei e não o consegui encontrar em parte alguma – exclamou "Meio-Brooke" beliscando o fingido dorminhoco.

– Que brincadeiras são essas? – perguntou Hummel sacudindo carinhosamente Tommy. Este abriu os olhos e murmurou muito tranquilo:

– Tive de me levantar para dar um recado a Nat. Queres deixar-me dormir em paz? Estou morto de sono!

Hummel deitou e agasalhou "Meio-Brooke", dando a seguir uma volta pelos dormitórios sem nada ver de anormal, pelo que se retirou sem dizer nada à mamã Bhaer, que estava muito ocupada e aflita à cabeceira de Teddy.

Tommy, que, de facto, tinha muito sono, fez-se mouco às perguntas de "Meio- Brooke" e adormeceu a seguir sem suspeitar do que estava ocorrendo debaixo da cama. Ao cair, a ponta do cigarro não se apagara; o lume ateara-se à esteira levantando uma chamazinha, que se foi propagando até chegar à franja da colcha, aos lençóis e por fim ao leito e às cortinas. Tommy dormia profundamente por causa da cerveja que tinha ingerido. O fumo já havia semiasfixiado "Meio-Brooke". Por último, ao sentir o contacto das chamas, os rapazes despertaram espavoridos.

Franz, quando ia deitar-se, depois de ter estudado por largo tempo, cheirou-lhe a queimado e correu, sem dar alarme, ao dormitório, tirando os rapazes dos leitos incendiados e começando a lançar sobre o incêndio toda a água que encontrou à mão. Isto dominou um pouco as chamas, mas não as extinguiu por completo. Todos os rapazes se levantaram assustados e fazendo grande alarido. A mamã Bhaer acudiu ato contínuo; Silas, aos berros, gritava: "Fogo"! Uma legião de diabinhos brancos em trajes menores encheu o salão, gritando e semeando o pânico.

Com grande sangue-frio, a Sra. Bhaer ordenou a Hummel que tratasse dos feridos e a Franz e a Silas que trouxessem baldes de água, com os quais foi vencendo o incêndio.

Quando no dia seguinte o papá Bhaer regressou encontrou Tommy com um braço ao peito, Teddy respirando com dificuldade, "Meio-Brooke" pálido e assustado, a tia Jo convertida em enfermeira e os rapazes todos muito excitados. Estes rodearam-no e levaram-no a ver os efeitos do incêndio.

Ao papá aborrecia solenemente o jogo, as bebidas e o feio costume de praguejar; nunca acreditara que os rapazes se atrevessem a fumar e encolerizou-se imenso ao ver que precisamente aquele com quem mais tinha condescendido se aproveitara da sua ausência para semear vícios entre os seus companheiros. A admoestação terminou com estas frases, pronunciadas com firmeza, embora com mágoa também:

– Tommy está suficientemente castigado com a cicatriz do braço, que lhe servirá de emenda, enquanto se lembrar do que aconteceu. Nat apanhou um susto bem grande e já sei que deplora o ocorrido e que procurará obedecer-me; mas tu, Dan, não mereces que te perdoe de novo. Não posso consentir que me desobedeças e que prejudiques os teus companheiros com os teus maus exemplos; despede-te, pois, de todos e encarrega Hummel de arranjar as tuas coisas dentro da minha mala preta.

– Senhor, para onde vai Dan? – perguntou, aflito, Nat.

– Para um lugar aprazível, onde costumo mandar os meninos que não estão bem aqui. O Sr. Page é pessoa carinhosa e Dan, se obedecer como é devido, estará lá perfeitamente.

– E não volta mais a esta casa?

– Espero que sim, mas isso depende da sua conduta.

6. As travessuras de Nan 

 Fritz, ocorre-me uma ideia  exclamou certo dia a mamã Bhaer, dirigindo-se ao marido, quando este saía da escola.

– Bom, minha querida, diz-me o que é.

– Daisy precisa de uma amiguinha e para os rapazes seria melhor que houvesse outra menina que privasse com eles. Além disso, recorda-te de que sempre pensámos em educar rapazes e raparigas juntos. Os rapazes aborrecem-se constantemente de Daisy e espero que se corrijam e melhorem de educação havendo meninas a seu lado.

– Como de costume pensaste bem, mas onde vamos nós arranjar uma menina?

– Lembrei-me de Annie Harding.

– Como? Pensaste na endiabrada Nan, como lhe chamam os pequenos?

– Sim, desde que lhe morreu a mãe está confiada aos cuidados dos criados, e, naturalmente, educam-na muito mal. Faz-me pena que assim suceda, tratando-se de uma menina tão inteligente como Annie Harding. Outro dia encontrei o pai na cidade e perguntei-lhe porque a não enviava para um colégio.