Todavia, o garoto limitou- se a fazer algumas caretas de contrariedade e no mesmo instante, deixando-se ficar tranquilamente caído no chão, olhou para o intruso, exclamando:
– Olá!
– Olá! – respondeu Nathaniel, sem que lhe ocorresse outra resposta.
– Vens para cá? – perguntou o rapazinho sem se mexer donde estava.
– Ainda não sei.
– Como te chamas?
– Nathaniel Blake.
– Eu chamo-me Tommy Bangs. Queres dar uma volta e ver a casa? – perguntou, pondo-se de pé num salto e preparando-se para cumprir os deveres de hospitalidade.
– Prefiro esperar um bocadinho até saber se posso ficar ou não – murmurou Nathaniel, que cada vez sentia mais vontade de ficar.
– Olha, "Meio-Brooke", vem ver um novo hóspede – gritou Tommy, escarranchando-se novamente no corrimão.
Ao ouvir chamar, o pequeno que estava a ler sentado num degrau levantou os grandes olhos negros, fechou o livro, pô-lo debaixo do braço e, tranquilamente, desceu para cumprimentar o "novato", parecendo-lhe muito simpático aquele delgado rapazinho de olhar doce.
– Já falaste com a tia? – perguntou-lhe muito sério.
– Não, estou à espera que me receba.
– Foi o tio quem te cá mandou?
– Quem me mandou cá foi o Sr. Lawrence.
– Está bem, esse é que é o tio. Manda sempre meninos bons.
Nat, lisonjeado pela frase, sorriu suavemente. Os dois rapazes permaneceram calados por um momento, olhando-se com certo agrado.
Aproximou-se deles uma menina com uma boneca nos braços. A sua semelhança com "Meio-Brooke" era flagrante, embora fosse mais baixa.
Tinha o rosto cor-de-rosa e olhos azuis.
– Esta é minha irmã, Daisy – declarou "Meio-Brooke", com terno orgulho.
Cumprimentaram-se os pequenos e a dona da boneca declarou:
– Parece-me que ficas conosco. Aqui passamos muito bons momentos, não é verdade, "Meio-Brooke"?
– Pois claro que passamos! Ou não vivesse em Plumfield a tia Jo!.
– Tinham-me dito que tudo isto era muito bonito – disse Nat, apercebendo-se de que devia responder aos seus amáveis interlocutores.
– Isto é o que há de mais bonito no mundo inteiro, não é verdade, "Meio-Brooke"? – perguntou Daisy, que tinha o seu irmão na conta de autoridade suprema em todos os assuntos.
– Não, a Gronelândia, que tem montanhas de gelo e focas, deve ser mais bonita ainda; mas, contudo, Plumfield agrada-me – respondeu "Meio-Brooke", que, por aquelas alturas, se dedicava à leitura de narrações sobre os usos e costumes gronelandeses. E dispunha-se a mostrar e a explicar as gravuras do seu livro quando a criada voltou e disse a Nat:
– Tudo corre bem, espera um momento.
– Que bom, agora vais ver a tia Jo – disse Daisy, agarrando a mão de Nat, numa atitude protetora.
"Meio-Brooke" voltou a enfronhar-se na leitura e, entretanto, sua irmã conduzia o recém-chegado para uma dependência interior, onde um senhor alto e forte brincava num sofá com duas criancinhas. Junto dele uma senhora esbelta acabava de ler, pela segunda vez, a carta de apresentação de Nat.
– Aqui está ele, minha tia! – exclamou Daisy.
– É este o meu novo pupilo? Tenho muito prazer em te receber e espero que te dês bem por cá, disse a senhora, acariciando maternalmente o pequeno, o qual se sentiu comovido.
A senhora, a quem as crianças tratavam familiarmente por tia, não era bela, mas tanto no semblante como no olhar, nos gestos e na voz, havia o que quer que fosse difícil de descrever, mas muito fácil de entender, alguma coisa de atraente, algo de "alegre" e muito diferente, como diziam os "sobrinhos".
A amável senhora notou certo tremor em Nat ao acariciá-lo e comoveu-se ao verificar a emoção que o embaraçava.
– Eu sou a mamã Bhaer – disse-lhe ela. Este senhor é o papá Bhaer e estes dois pequenitos são nossos filhos. Venham cá os dois – exclamou, dirigindo-se aos garotitos.
O papá aproximou-se, trazendo pela mão os dois bochechudos meninos, Rob e Teddy, que fizeram uma careta para cumprimentar Nat. O senhor Bhaer apertou a mão ao visitante e, oferecendo-lhe uma cadeira baixa, próximo do lume, disse-lhe carinhosamente:
– Senta-te, meu filho, e aquece-te. Estás todo molhado.
– Molhado? Pobrezinho – murmurou a Sra. Bhaer. – Vá, despe-te, enquanto vou buscar roupa enxuta e um par de sapatos.
E assim fez, encontrando-se Nat, momentos depois, comodamente instalado perto do lume, agasalhado com roupa seca.
A Sra. Bhaer deu-lhe umas sapatilhas, mas não sem primeiro perguntar a Tommy se precisava delas.
– Não, tia Jo, muito obrigado – respondeu afetuosamente o dono.
A tia Jo pagou com um olhar de afeto a atenção de Tommy. A seguir, dirigindo-se a Nat, exclamou:
– Tommy nunca calça sapatilhas. Estão-te um pouco grandes, mas não faz mal, assim não poderás fugir cá de casa.
– Não, minha senhora, não penso fugir – respondeu Nat aproximando do fogo as mãozinhas sujas.
– Está bem, está bem, vai-te aquecendo porque temos de tratar dessa tosse e já – disse o Sr. Bhaer, indo buscar uma flanela. – Há quanto tempo a tens?
– Desde que começou o Inverno; sentia muito frio e não tinha com que me agasalhar.
– Não admira – observou a Sra. Bhaer com voz comovida –, vivia numa cave triste e húmida sem colchão para se deitar nem cobertores para se tapar.
O Sr. Bhaer observou demoradamente as maçãs do rosto afogueado do pequeno,os lábios secos, o peito abatido e estudou a sua tosse cava. Trocou uns olhares significativos com a esposa e disse:
– Robin,meu filho,vai buscar o frasco do xarope e o linimento.
Nat assustou-se um pouco perante tais preparativos, mas pôs-se a rir e tranquilizou-se quando o Sr. Bhaer lhe disse em voz baixa:
– Repara bem nesse fedelho do Teddy, está a fazer esforços para tossir. Ele sabe que o xarope que te vou dar é muito doce e quer por força prová-lo também.
Com efeito,enquanto foram buscar o frasco Teddy pôs-se vermelho como uma papoila mercê dos esforços que fazia para provocar a tosse. Generosamente deixaram o fingido catarroso lamber a colher, depois de Nat ter tomado a sua dose de xarope e deixado que lhe pusessem na garganta e no peito a flanela quente.
Ainda não tinha terminado este primeiro tratamento quando se ouviram várias campainhadas, seguidas de ruidosa correria. Soara a hora de comer.
Nat,tímido e receoso,tremia só de pensar que iria ver-se rodeado por tantos meninos desconhecidos, mas a Sra. Bhaer pegou-lhe na mão e Rob sussurrou-lhe em ar protetor:
– Não te assustes, eu olharei por ti.
De cada lado da mesa estavam crianças, que faziam traquinices de impaciência junto das respectivas cadeiras. O flautista procurava manter a ordem. Ninguém se sentou até que a mamã ocupasse o seu lugar, ficando Teddy à esquerda e Nat à direita.
– Este é o nosso novo hóspede, Nathaniel Blake – disse a boa senhora. – Depois de comerem, irão cumprimentá-lo.
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