A mamã tinha-o sempre a seu lado e permitia-lhe que metesse o dedito nos pires de doce, afigurando-se a todos que assim sabia melhor.

Dick Brow e Adolfo ou Dolly Pettingill tinham oito anos. Dolly gaguejava, mas pouco a pouco iam-no corrigindo sem que ninguém troçasse dele. O Sr. Bhaer tratava-lhe da gaguez, fazendo-o falar muito lentamente. No resto era um rapazinho vulgar, estudioso e jovial.

O pobre Dick era corcunda, mas suportava tão alegremente o seu defeito físico que uma vez "Meio-Brooke" perguntara-lhe:

– Dá bom humor o ser-se corcunda? Se assim é, eu gostava de sê-lo.

Dick vivia contente e tomava parte nos jogos. No seu corpo deformado albergava uma alma abnegada. Ao chegar a Plumfield lamentara ser corcunda, mas bem depressa se adaptou, porque ninguém troçava dele. O Sr. Bhaer impôs, certa ocasião, um castigo enérgico a um rapaz que se permitiu rir à custa dele.

Nessa altura, Dick, soluçando, tinha respondido ao garoto que troçara dele:

– Deus não vê a minha deformidade, porque trago na alma a retidão que falta ao meu corpo.

Os esposos Bhaer alimentaram esta crença e levaram-no a acreditar que as pessoas o amavam pela beleza da sua alma e que, se às vezes reparavam no seu corpo mal formado, era por compaixão.

Uma vez, brincando ao "Jardim Zoológico", um pequeno exclamou:

– De que animal queres tu fazer, Dick?

– De camelo, não vês que já tenho a corcova nas costas? – respondeu rindo contrafeito.

– Bom, pois seja como for, não levas carga e ficas ao pé do elefante, à frente do desfile – declarou "Meio-Brooke", organizando o jogo.

– Tenho esperança que o mundo o trate com tanto afeto como os meus pequenos aprenderam a tratá-lo – disse a tia Jo, muito satisfeita, enquanto Dick, qual minúsculo dromedário, tão débil como alegre, desfilava ao lado do gordo "Traga-Bolos", que, muito senhor do seu papel, fazia de elefante.

Jack Ford, rapazinho vivo e esperto, fora mandado para a escola, por esta ser de pagamento acessível. Para muita gente a esperteza de Jack seria motivo de elogio, mas para o Sr. Bhaer essa esperteza, aliada ao seu amor pelo dinheiro, que eram duas facetas características daquela criança, prenunciava defeitos piores que a gaguez de Dolly ou a corcunda de Dick.

Ned Barker era um pernilongo irrefletido e bulhento. Fizera já catorze anos. Chamavam-lhe o "Furacão" porque com ele ia tudo pelos ares.

Jorge Cile, "Traga-Bolos", fora pessimamente educado por uma mãe fraca que o atascara de guloseimas até ficar doente. Julgou-o, pois, demasiado débil para os estudos, visto que aos dez anos era um garoto pálido, triste, mal-humorado, mole de carnes e muito dado à ociosidade.

Billy Ward era aquilo a que os escoceses chamam com ternura "um inocente". Com dez anos, parecia um menino de seis.

Tommy Bangs era o diabinho da casa. Tinha espertezas, travessuras e agilidade de macaco, mas possuía um coração de ouro e esta virtude valia-lhe muitas vezes o perdão para as suas diabruras.

Tais eram os garotos de Plumfield e juntos viviam tão felizes como podem viver uma dúzia de rapazes, estudando e brincando, trabalhando e brigando, corrigindo defeitos e cultivando virtudes. Os pequenos das outras escolas aprendiam certamente mais nos livros, mas muito menos da arte de transformar um rapaz num homem bom e honrado.

3. A iniciação de Nat 

 

Mal soou, no dia seguinte, a sineta, Nat saltou da cama e vestiu, muito satisfeito, a roupa que encontrou sobre a cadeira. Não era roupa nova, mas sim vestuário já meio usado, procedente de outros meninos. A Sra. Bhaer guardava todos aqueles fatinhos para os passarinhos extraviados que acudiam ao ninho de Plumfield. Logo que se encontraram reunidos os pequenos, Tommy apresentou-se na companhia de Nat, para tomarem o pequeno-almoço.

O sol invadira a ampla sala de jantar, acariciando a mesa, onde se encontravam todos, mas com maneiras mais comedidas do que na noite anterior. Permaneciam silenciosos junto das respectivas cadeiras, enquanto Rob – que estava na cabeceira, ao lado do pai – cruzava as mãos, inclinava reverentemente a cabeça e rezava com fervor uma oração em ação de graças. Em seguida sentaram-se a saborear o pequeno-almoço do domingo. Enquanto comiam, os garotos tagarelavam animadamente, porque ao domingo tinha de se discutir o passeio e elaborar o programa para a semana seguinte. Nat escutava e ia pensando como o dia lhe iria ser agradável porque gostava da quietude e via à sua volta ótimas perspectivas de repouso. Não obstante a sua infância vagabunda, o pequeno violinista amava o sossego.

– Agora, meus filhos, ide cumprir as vossas obrigações matinais e preparar-vos para irdes à missa assim que chegar a tipoia – disse o Sr. Bhaer. E, aliando o exemplo à palavra, foi até à escola, ordenar os livros para o dia seguinte.

Cada qual saiu rapidamente a executar a sua tarefa, porque cada um tinha um pequeno dever diário a cumprir e estava obrigado a executá-lo pontualmente. Uns traziam água ou lenha. Outros varriam as ruas do jardim.