Um deles é não permitir que um cavalheiro corteje uma jovem durante três ou quatro meses sem certo sentido de responsabilidade. Se não deseja casar-se com minha irmã, deve afastar-se dela.
— Eu jamais devia ter vindo — observou Jackson Lemon.
— Não concordo com isso, pois, então, eu não teria tido o prazer de conhecê-lo.
— Teria poupado a você essa obrigação que tanto detesta.
— Obrigação de perguntar quais são suas intenções? Não detesto fazê-lo pelo contrário, diverte-me bastante.
— Você gostaria de que sua irmã se casasse comigo?indagou Jackson Lemon, com grande simplicidade.
Se esperava colher Lady Beauchemin de surpresa, ficou desapontado, porque ela estava perfeitamente preparada para dar-lhe a resposta.
— Sim, gostaria muito. Acho que ingleses e americanos deveriam formar uma só sociedade, um grande todo; refiro-me aos melhores elementos existentes entre eles.
— Permite-me perguntar se foi Lady Marmaduke quem sugeriu isso a você?
— Temos, frequentemente, conversado sobre isso.
— Sem dúvida! É esse o objetivo dela!
— É, sim; e também o meu. Creio que há muita coisa a ser feita.
— E você gostaria que eu fizesse?
— Para começar, sim, gostaria. Não acha que deveríamos ver-nos mais frequentemente uns aos outros? Refiro-me aos melhores elementos de cada país.
Jackson Lemon guardou silêncio por um momento, e disse depois: — Receio não ter ideias gerais a esse respeito. Se eu me casasse com uma jovem inglesa, seria para o bem da espécie.
— Bem, desejamos misturar-nos um pouco; disso estou certa — disse Lady Beauchemin.
— Você, certamente, ouviu isso de Lady Marmaduke.
— Que amolação! Você não gosta de falar seriamente! Mas meu pai fará você falar — prosseguiu Lady Beauchemin. — Posso informá-lo de que ele pretende, dentro de dois dias, perguntar-lhe quais são suas intenções. Isso é tudo o que eu desejava dizer-lhe. Achei que você devia estar preparado.
— Sou-lhe muito grato. Lorde Canterville, sem dúvida, agirá corretamente.
Havia, para Lady Beauchemin, algo insondável naquele pequeno médico americano pelo qual se interessava por razões de alta política, e que, embora fosse de supor haver deixado a profissão, não era indivíduo bonito nem ilustre, mas apenas imensamente rico, e muito original, pois não era insignificante. Para começar, era inexplicável um médico ser tão rico, ou um homem tão rico ser médico; para olhos que sempre se satisfaziam com as conveniências, aquilo era um pouco irritante. O próprio Jackson Lemon poderia tê-lo explicado melhor que qualquer outra pessoa, mas era uma explicação que dificilmente alguém poderia pedir, dadas a sua indisposição geral para dar explicações, sua maneira de refugiar-se em piadas que, às vezes, não tinham sequer o mérito de ser americanas, e, também, sua maneira de parecer um namorado sem ser candidato a casamento. Lady Beauchemin, porém, à semelhança de Jackson Lemon, estava preparada para correr certo risco. Seus modos reservados faziam-no esquivo; mas isso só quando sofria pressão. Ela, por sua vez, tinha-se na conta de saber lidar com as pessoas.
— Meu pai, sem dúvida, agirá com perfeito tato — declarou.
— Você, naturalmente, se não gostar de que ele faça perguntas, poderá sair da cidade.
Lady Beauchemin tinha o ar de quem desejava, realmente, facilitar-lhe tudo.
— Não desejo sair da cidade. Estou-me divertindo muito, aqui — respondeu seu companheiro. — E será que seu pai não vai perguntar o que quero dizer com isso?
Lady Beauchemin hesitou. Ficara ligeiramente perplexa. Mas exclamou logo depois: — Ele é incapaz de dizer alguma coisa vulgar.
Não respondera propriamente à pergunta, e Jackson o percebeu. Ele, porém, estava inteiramente disposto a dizer-lhe, pouco depois, quando a ajudava a descer da carruagem para conduzi-la por sobre um tapete que, entre um pano riscado um tanto insegura e uma dupla fila de lacaios, policiais e artistas amadores de ambos os sexos, estendia-se da calçada ao portal da casa dos Trumpington.
— É claro que não vou esperar que Lorde Canterville fale comigo.
Esperara que Lady Beauchemin lhe fizesse uma comunicação daquela natureza, e, a seu ver, o pai nada mais faria do que seu dever. Sabia que devia estar preparado para responder a Lorde Canterville, e admirara-se de ele mesmo ainda não ter resolvido a questão. A pergunta de Sidney Feeder, no parque, deixara-o atônito; fora a primeira alusão feita a seu possível casamento, salvo da parte de Lady Beauchemin. Ninguém de sua família estava em Londres; ele era completamente independente; mesmo que a mãe estivesse a seu alcance, não a teria consultado sobre o assunto. Amava-a muito; mas ela não era mulher a quem pudesse consultar, uma vez que aprovaria tudo o que ele fizesse; era sua norma. Cuidou de não se mostrar muito sério, ao conversar com Lady Beauchemin; mas, na realidade, ficou muito sério depois, mesmo entre as distrações da meia hora seguinte, quando se esgueirava de lado e lentamente, por entre os convivas, na sala de visitas da Sra. Trumpington. Ao fim dessa meia hora, resolveu sair; encontrou à porta Lady Beauchemin, da qual se separara quando entrara na casa; em companhia de uma pessoa de seu sexo, ela aguardava sua carruagem, tendo de ir ainda a alguma parte. Deu-lhe o braço na rua e, quando subiu para a carruagem, reiterou o desejo de que ele saísse da cidade por alguns dias.
— Quem me diria, depois, o que devo fazer? — retrucou ele, fitando-a através da janela.
Sua interlocutora poderia dizer-lhe o que fazer; ele, porém, sentia-se livre de qualquer modo, e estava decidido a continuar assim. A fim de prová-lo a si próprio, saltou para uma carruagem de aluguel e dirigiu-se ao seu hotel, em Brook Street, em vez de ir para uma casa com janelas brilhantemente iluminadas em Portland Place, onde sabia que, depois da meia-noite, encontraria Lady Canterville e as filhas. Houvera menção disso entre Lady Barbarina e ele, durante a cavalgada, e a moça provavelmente o esperava.
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