Ao mesmo tempo, não desejamos, é claro, perder tempo com rodeios. Precisamos encarar a questão objetivamente.
Ficou acertado, entre eles, depois de certo tempo, que a questão objetiva era que Jackson Lemon, com certeza, conhecia o estado de seus sentimentos e estava em condições de pretender a mão de uma jovem dama que — Lorde Canterville podia dizer, certamente, é claro, sem qualquer jactância — tinha direito a um bom matrimônio, como costumam dizer as mulheres.
— Penso que sim. Ela é um belo tipo — declarou Jackson Lemon.
Lorde Canterville arregalou os olhos por um instante.
— É uma jovem hábil, bem desenvolvida e excelente amazona. A propósito: ela está a par disso? — indagou.
— Oh! Sim, está! Falei-lhe ontem à noite.
Novamente Lorde Canterville deu a impressão, desusada nele, de retribuir o olhar inquiridor do companheiro.
— Não estou muito certo de que devesse ter agido assim.
— Eu não podia falar antes ao senhor. Não podia — declarou Jackson Lemon. — Pretendia fazê-lo, mas sentia-me um tanto embaraçado.
— Penso que não agem assim em seu país — observou o lorde, com um sorriso.
— Bem, de modo geral, não; mas acho muito agradável discutir o assunto com o senhor agora. — E, na verdade, era muito agradável. Nada podia ser mais fácil, mais amistoso e mais informal que as maneiras de Lorde Canterville, que implicavam toda a sorte de igualdade, especialmente a de idade e fortuna, e faziam Jackson sentir-se, ao fim de três minutos, quase como se fosse um nobre de sessenta anos muito bem conservado e meio em apuros no tocante a finanças, com as ideias de um homem de sociedade sobre seu próprio casamento. O jovem americano percebeu que seu interlocutor não deu mais atenção ao fato de ter ele falado antes com a própria moça, e viu, nessa indulgência, uma justa concessão ao ardor da paixão dos jovens, já que parecia avaliar perfeitamente o lado sentimental, pelo menos no que dizia respeito a seu visitante, quando disse sem desaprovação: — Ela chegou a encorajá-lo?
— Bem, não me censurou. Disse que ia pensar, mas que eu devia falar com o senhor. Naturalmente, porém, eu não teria falado o que falei a ela se não me houvesse convencido, durante a última quinzena, de que não lhe desagrado.
— Ah! Meu caro jovem, as mulheres são criaturas singulares! — exclamou o lorde, um tanto inesperadamente. Mas você, sem dúvida, sabe de tudo isso. É um risco geral que se corre — acrescentou, logo em seguida.
— Estou inteiramente disposto a correr esse risco geral; o risco particular é pequeno.
— Dou-lhe minha palavra, com franqueza, de que na realidade não conheço minhas filhas. Como pôde ver, o tempo de um homem, na Inglaterra, fica todo tomado; mas, sem dúvida, ocorre o mesmo em seu país. A mãe as conhece. Acho que seria melhor chamar a mãe. Se você não se importa, sugiro que ela se reúna a nós aqui.
— Receio um pouco os dois juntos; mas, se isso resolver a questão mais depressa. — disse Jackson Lemon.
Lorde Canterville tocou a sineta, e, quando um criado apareceu, mandou-o de volta com um recado à esposa. Enquanto a esperavam, o jovem lembrou-se de que podia expor, de um modo mais definido, sua situação financeira. Antes, dissera simplesmente que dispunha de recursos que lhe permitiam casar-se; evitara apresentar-se como milionário. Tinha bom gosto e desejava dirigir-se primeiro a Lorde Canterville como cavalheiro. Mas agora, que precisava causar dupla impressão, pensou em seus milhões, pois milhões eram sempre coisas que impressionavam.
— Creio que é justo informá-lo de que minha fortuna é, realmente, considerável — observou.
— Sim, não duvido de que seja extremamente rico — declarou Lorde Canterville.
— Tenho cerca de sete milhões.
— Sete milhões?
— Em dólares. Mais de um milhão e meio em libras esterlinas.
Lorde Canterville olhou-o da cabeça aos pés, com um ar de alegre resignação, uma forma de rudeza que ameaçava tornar-se comum. Disse, depois, com um toque da irrelevância que já deixara vislumbrar: — Que diabo foi isso de querer ser médico?
Jackson Lemon ficou um pouco ruborizado, hesitou, e respondeu depressa: — Foi porque tinha inclinação para a medicina.
— É claro que nem por um momento duvido de sua capacidade. Mas não acha isso um tanto cansativo?
— Não clinico muito. Envergonho-me, até, de dizer isso.
— Ah! Bem, é claro! Em seu país, é diferente. Talvez mesmo, tenha uma placa na porta, não?
— Oh! Sim! E uma tabuleta de metal presa à sacada — declarou Jackson Lemon, sorrindo.
— Que diz seu pai sobre isso?
— De eu seguir a medicina? Disse que preferia ser enforcado a tomar qualquer de meus remédios. Achava que eu não seria bem sucedido. Queria que seguisse a carreira dele.
— Candidatando-se à Câmara. — disse Lorde Canterville; hesitando um pouco.
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