— Não vejo motivo por que um cavalheiro não possa ser chamado de senhor.
Pareceu a Jackson Lemon, subitamente, que havia algo incompreensível, confuso, e até ligeiramente cômico na atitude daquela nobre e amável dama. Essa impressão tocou-lhe o coração. Também ele, à semelhança de Lorde Canterville, começara a ansiar por uma solução rápida. Relaxou um pouco os nervos e, inclinando-se para anfitrioa com um sorriso e as mãos apoiadas nos pequenos joelhos, disse suavemente: — Isso me parece questão sem importância. Tudo o que desejo é que me chame de genro.
Lady Canterville estendeu-lhe a mão, e ele apertou-a quase afetuosamente. Ela levantou-se, observando que, antes que se decidisse tudo, precisava falar com a filha; devia ouvir dos lábios dela qual o estado de seus sentimentos.
— Não gostei de que ela houvesse deixado de me falar — acrescentou.
— Para onde foi? Para Roehampton? Creio que já contou tudo à madrinha — disse Lorde Canterville.
— A pobre moça não teria muito o que contar — exclamou Jackson Lemon. — E devo, na realidade, insistir em ver com mais frequência a pessoa com quem desejo me casar.
— Você terá a liberdade que quiser dentro de dois ou três dias — declarou Lady Canterville. Sorriu com toda a sua doçura; parecia tê-lo aceitado e, ainda assim, fazia suposições tácitas. — Não há certas coisas sobre as quais devamos conversar, antes?
— Certas coisas, minha cara senhora?
Lady Canterville olhou para o marido, que, embora ainda estivesse junto à janela, desta vez percebeu no silêncio dela que devia falar.
— Oh! Ela está-se referindo a dote, ou coisa assim. Isso foi uma alusão que veio com mais graciosidade da parte dele.
Jackson Lemon olhou de um para outro; leve rubor assomou-lhe ao rosto. Deu um sorriso que, talvez, tenha parecido um tanto fixo.
— Dote? Nós não o damos nos Estados Unidos. Podem estar certos de que providenciarei tudo o que garanta o bem-estar de minha esposa.
— Meu caro, aqui na Inglaterra. em nossa classe, sabe? é costume — disse Lorde Canterville, agora mais alegre ante a ideia de que o debate estava terminado.
— Eu tenho meus pontos de vista — respondeu Jackson, sorrindo.
— Parece-me questão que deva ser discutida pelos procuradores — sugeriu Lorde Canterville.
— Poderão discuti-la tanto quanto lhes aprouver — declarou Jackson Lemon, rindo. Via, mentalmente, seus procuradores a discuti-la. Tinha, realmente, ideias próprias. Abriu a porta para Lady Canterville, e os três saíram juntos da sala, caminhando em silêncio, um silêncio em que havia um leve tom de embaraço. Ferira-se uma nota um tanto destoante. Dois brilhantes lacaios, ao aproximarem-se os três, ergueram-se de um banco e mantiveram-se eretos, como sentinelas que estivessem apresentando armas. Jackson Lemon deteve-se, olhando por um momento para dentro do chapéu que segurava. Depois, erguendo os olhos penetrantes, fixou-os por alguns instantes nos de Lady Canterville, dirigindo-se instintivamente a ela e não ao marido:
— Creio que seria melhor a senhora e Lorde Canterville deixarem isso a meus cuidados.
— Temos nossas tradições, Sr. Lemon — disse ela com nobreza. — Penso que talvez ignore. — murmurou.
Lorde Canterville pousou a mão sobre o ombro do jovem.
— Meu caro, os encarregados acertarão a questão em três minutos.
— É bem provável que sim! — disse Jackson Lemon. Perguntou depois a Lady Canterville quando poderia ver Lady Barb.
Ela hesitou um pouco, em sua maneira graciosa.
— Mandar-lhe-ei um aviso.

Um dos lacaios altos, na extremidade da imponente sala, abrira a porta de par em par, como se tivesse conhecimento da elevada posição a que, praticamente, havia sido transportado o pequeno visitante. Jackson, entretanto, ainda se demorou um momento; percebia-se que não estava satisfeito, embora aparentemente tivesse pouca consciência de que o demonstrava.
— Não creio que a senhora me esteja compreendendo.
— Suas ideias, certamente, são diferentes — observou Lady Canterville.
— Se a moça o compreende, isso basta — exclamou Lorde Canterville com jovialidade, desprendimento e simplicidade.
— Não poderá ela própria escrever-me? — perguntou Jackson à mãe. — Eu mesmo, sabe, terei de escrever a Lady Barb, se não me permitir visitá-la.
— Certamente! Pode escrever a ela, Sr. Lemon. No olhar que ele dirigiu a Lady Canterville havia qualquer coisa como se dissesse a si próprio que, se fosse necessário, endereçaria seus bilhetes à idosa senhora de Roehampton.
— Está bem; até outro dia. Seja como for, a senhora sabe o que quero. — Quando se retirava, voltou-se e acrescentou: — Não precisa recear, pois não deixarei de trazê-la no verão.
— No verão? — murmurou Lady Canterville, com vagas visões da zona tórrida, enquanto o jovem americano deixava a casa com a noção de que fizera grandes concessões.
Seus anfitriões passaram para uma pequena sala de estar e (Lorde Canterville havia pegado o chapéu e a bengala para sair novamente) ali permaneceram um momento, face a face.
— Está bastante claro que ele a ama — declarou o marido, sucintamente.
— Há algo estranho nele — respondeu Lady Canterville.
— Viu a maneira como falou sobre o dote?
— É melhor deixá-lo agir como quiser.
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