Aqui na fazenda os homens negros são maus e as mulheres negras muito burras. Ninguém merecer a pedra. Então eu pensar que mestre Jephson escrever livros e lutar pelos negros. Deve ser homem bom e merecer isso, mesmo sendo homem branco, sem saber o que é isso e de onde isso vem. – Então ela remexeu na bolsinha de camurça e tirou uma pedra negra e achatada, com um orifício no meio. – Pega – ela disse, colocando a pedra em minha mão. – Pega. Nenhum mal vir de coisa boa. Guarda isso. Não perca nunca. – E com um gesto de silêncio, deu-me as costas e voltou cautelosamente como tinha vindo, olhando para todos os lados para ver se estávamos sendo observados.

Achei mais graça do que me deixei impressionar na solenidade da velha e confesso que só contive o riso durante seu discurso por medo de ferir seus sentimentos. Depois que ela se foi, dei uma boa olhada na pedra que ela me deu. Era intensamente negra, muito dura, e de formato oval – o tipo perfeito de pedra que a gente pega na beira de um lago, para jogá-la sobre ele e vê-la quicar na água. Tinha seis centímetros de comprimento e três de largura no centro, afilando-se nas extremidades. O mais curioso nela eram traços bem marcados que percorriam sua superfície em semicírculos, dando-lhe a aparência exata de uma orelha humana. Ao mesmo tempo em que fiquei bastante interessado pela minha nova posse, pensei em levá-la e submetê-la a exame, como um espécime geológico, por meu amigo professor Shroeder, do Instituto de Nova York, assim que tivesse oportunidade. Até lá, guardei a pedra em meu bolso e, levantando da cadeira, saí para uma caminhada no campo, distraindo-me e esquecendo-me do acontecido.

A essa altura, como minha ferida já estivesse praticamente curada, deixei a fazenda do sr. Murray pouco tempo depois. Os exércitos da União, vitoriosos, estavam em toda parte e convergiam para Richmond, de modo que a minha participação nos combates parecia desnecessária e eu voltei ao Brooklin. Lá, retomei minhas atividades e me casei com a segunda filha de Josiah Vanburger, o famoso escultor. Ao longo de poucos anos, estabeleci uma boa rede de clientes e adquiri considerável reputação no tratamento de doenças pulmonares. Eu continuava com a velha pedra negra em meus bolsos e frequentemente contava a história da maneira dramática por meio da qual ela acabou chegando às minhas mãos. Mantive também a resolução de mostrá-la ao professor Shroeder, que ficou muito interessado, tanto no caso, quanto no espécime. Ele garantiu que se tratava do fragmento de um meteoro e me alertou para o fato de que sua semelhança a uma orelha não era acidental, mas que a pedra havia sido cuidadosamente trabalhada para ganhar aquela forma. Uma dúzia de pequenos pontos anatômicos mostravam que o artesão tinha sido bastante fiel a realidade, além de muito habilidoso.

– Não tenho dúvida – disse o professor – de que ela foi arrancada de alguma grande estátua, mas, como um material dessa dureza pôde ser tão perfeitamente trabalhado, isso eu não consigo entender. Se existir a estátua a que ela pertence, eu gostaria muito de vê-la.

Era o que eu pensava também, naquele tempo, mas minha opinião mudou muito desde então.

Os sete ou oito anos consecutivos de minha vida foram tranquilos, sem grandes acontecimentos. Os verões seguiram as primaveras que seguiram os invernos, sem maiores alterações em meu trabalho. À medida que os pacientes aumentavam, admiti como sócio J. S. Jackson, com um percentual de 25%.