Significativa sob este aspecto é a lembrança, pelo Narrador já adulto, da cidadezinha de Combray, onde passava as férias quando criança. Saboreando um biscoito molhado no chá, sente uma alegria inexplicável e, de súbito, recorda não só momentos similares da infância remota, como toda a Combray daquele tempo e todo o período de seu passado que o gosto do biscoito (chamado madeleine) fizera aflorar à sua consciência. Naquele instante dava-se o reencontro do Tempo e o passado se recuperava.

Como esse, muitos outros episódios, disseminados por toda a obra, atestam a importância do processo da memória involuntária para a recuperação do Tempo Perdido. Tempo que não existe mais em nós, mas continua a viver oculto num sabor, numa flor, numa árvore, num calçamento irregular ou nas torres de uma igreja, etc. A repetição de tais episódios, longe de indicar monotonia ou pobreza criadora, é fundamental para estabelecer e cimentar relações existentes entre sensações e lembranças. Acima de tudo, tais momentos de reencontro do Tempo dão ao artista o sentimento de haver conquistado a eternidade. Muitos escritores antes de Proust já haviam esboçado tais instantes em suas obras, mas foi Proust o primeiro a fazer do duplo sensação/lembrança a matéria mesma de sua obra. Portanto, no fundo, o tema central de Em Busca do Tempo Perdido não é propriamente o retrato da sociedade francesa do fim do século XIX, nem a análise mais acurada do amor e dos sentimentos a ele relacionados, e sim a luta do espírito, da atividade criadora, contra o tempo, diante da impossibilidade de se encontrar na vida real um ponto fixo de referência ao qual o nosso eu possa se prender. O tema essencial de Proust é o encontro desse ponto de referência na obra de arte.

Estrutura, técnica e estilo

Grande apaixonado por igrejas e catedrais góticas, Marcel Proust concebeu Em Busca do Tempo Perdido como uma construção catedralesca. A principal característica da igreja gótica é a constante simetria que se observa nos menores detalhes. Assim, a um altar corresponde outro altar simétrico, a um transepto outro transepto, a uma ogiva outra ogiva, a um vitral outro vitral, etc., sempre simétricos no plano geral do edifício. E, à medida que a igreja se eleva, suas partes mais opostas vão convergindo, sem abandonarem a sua simetria, até se juntarem no alto da torre.

Desse modo, Proust procurou erguer sua catedral, cuidando de redigir seu enorme romance com extremo rigor de simetria, desenvolvendo episódios e acontecimentos de forma igualmente simétrica, onde o fim remete ao começo numa construção cíclica. O romance que só ao final de O Tempo Recuperado o Narrador se julga apto a escrever é justamente o que acabou de ser escrito... Tal simetria minuciosa e obsessiva atinge inclusive os diversos títulos de livros, partes e até capítulos que compõem Em Busca do Tempo Perdido.

Assim, o que o escritor pretendeu, com tal simetria, terá sido ressaltar determinados aspectos de fatos e personagens, além de conferir maior coesão interna a todo o ciclo. Esses aspectos diversos acabam-se tornando motivos recorrentes no livro, o que, à primeira vista, é um procedimento que poderá iludir o leitor desavisado, fazendo-o crer numa repetição gratuita. Mas, como já dissemos, tais repetições terminam por alertar o leitor para algo mais profundo, e o encaixe dos episódios é tão perfeito que, pelo contrário, a sua ausência é que destoaria de conjunto. Pois a técnica de Marcel Proust subverteu tudo quanto, à época do lançamento do primeiro volume da série ( No Caminho de Swann, 1913), era considerado romance. Para os que estavam acostumados com o realismo naturalista, o realismo psicológico de Proust surgiu como algo absurdamente diverso e inclassificável. (Como toda obra de gênio, Em Busca do Tempo Perdido não se enquadra em qualquer escola ou corrente literária, muito embora sua escrita mantenha traços de Impressionismo e haja na obra pontos de contato com o Simbolismo.) Além de técnicas narrativas já conhecidas anteriormente, como a do flash back (que praticamente inicia todo o ciclo), Proust emprega uma técnica de comparações inusitadas, pontilhadas de longas frases e períodos imensos, onde se desenvolve exaustivamente toda a sua prospecção psicológica. Usando amiúde metáforas, muitas vezes ligadas à pintura e à música, estabelece intencionais relações insuspeitadas entre os mais diferentes objetos, extraindo das comparações (aliás superabundantes em toda a sua obra) um verdadeiro universo de conexões de que nunca alguém se lembrara antes. Tais comparações percorrem o variado espectro das sensações dos cinco sentidos, estabelecendo uma firme ligação entre o espírito e o corpo, o profundo e o superficial. É até bem comum, em Proust, a ocorrência de sinestesias, ou seja, as relações subjetivas que se verificam entre sentidos diferentes, como um som que evoca uma cor, ou um sabor que lembra uma imagem, etc. E a única maneira de colocar diante do leitor essas relações subjetivas será pelo emprego da imagem, da metáfora, a qual, segundo o próprio autor, toma "emprestada, de uma coisa estranha, uma imagem natural e sensível da verdade". A metáfora, portanto, ajuda o autor, e também o leitor, a evocar algo desconhecido, ou um sentimento difícil de descrever, recorrendo à sua semelhança com objetos conhecidos. E para que a imagem metafórica surta efeito é preciso que não seja gasta, que não se trate de um clichê muito batido. Em Proust, as metáforas e comparações são novas, surpreendem justo pelo inusitado.