Daí advém outro encanto de Em Busca do Tempo Perdido.
Quanto ao estilo, Proust baseia sua obra num movimento de idas e vindas, de avanços e recuos alternados e simétricos a que já se deu o nome de "rosácea de Proust".
O estilo de Em Busca do Tempo Perdido é uma conquista árdua e deliberada do autor. De certa forma tem raízes autobiográficas. Sendo asmático desde criança, Proust concebeu, como dissemos, um estilo de frases e períodos longuíssimos, os quais, de certa maneira, correspondem aos impulsos de uma respiração que luta para vencer o fôlego. O período proustiano é enorme e compacto a fim de que nele caiba grande diversidade de significados e sintaxe, e cada frase deve ser lida mais de uma vez para bem penetrarmos suas múltiplas acepções. Além disso, as frases de Proust têm uma construção grandemente musical, num fluir redondo e harmonioso de vogais e consoantes, trabalho de um ourives que conhecia como poucos o material de que se utilizava: a língua francesa. Seus parágrafos gigantescos excedem o tamanho das páginas e se espraiam pelos capítulos, transportando em seu corpo o próprio pensamento que exprimem. Em suma, a frase proustiana é igualmente "atemporal", não pode ser localizada num tempo específico: ela o transcende, enquanto mecanismo criado pelo autor, não para marcar determinado tempo e sim para reconstituí-lo em todos os pormenores.
Resumo de enredo
Por todas as razões acima expostas, o enredo tem uma importância secundária na obra máxima de Proust. A história propriamente narrada de Em Busca do Tempo Perdido pode ser resumida em poucas páginas e terá interesse maior apenas para quem não possui qualquer noção da obra. Pois na verdade o que interessa não são os encadeamentos narrativos e episódicos e sim a análise psicológica, as conexões estabelecidas e, acima de tudo, aquela transcendental peleja do espírito criador, que luta para se afirmar e deixar a marca da sua genialidade, contra o tempo que tudo arrasta e destrói. Aliás, Proust surgiu na literatura quando diversos escritores (e não só franceses) já haviam observado a questão do tempo e buscavam minimizar a importância do enredo. Era um caminho a trilhar para evitar a todo custo as histórias
"certinhas", com princípio, meio e fim, caminho que muito se diversificou desde então. Em todo caso, convém dar uma idéia geral do enredo de Em Busca do Tempo Perdido.
No Caminho de Swann dispõe-se em três partes: na primeira, "Combray", vemos a infância do Narrador, suas recordações de Combray despertadas pela madeleine, sua aflição noturna à esperado beijo de despedida da mãe, a descoberta que faz da existência de dois lados (ou caminhos) de Combray, a partir das duas saídas diversas de casa-o lado que segue pela casa de Swann e o lado de Guermantes, seu oposto-, para ele igualmente opostos e irreconciliáveis; e a descrição de ambos. Em "Um Amor de Swann", a análise de um amor, e sobretudo do ciúme masculino, através da história da ligação amorosa de Charles Swann e Odette de Crécy. E em
"Nomes de Lugares: o Nome", o Narrador vai descobrindo tudo o que se esconde sob a magia dos nomes de pessoas e cidades. Vemos seus jogos com Gilberte, filha de Charles e Odette, nos Champs-Elysées; depois, sua admiração pelos pais dela, principalmente pela Sra. Swann. E a constatação da impossibilidade de recuperar o tempo já passado, quando regressa, adulto, certa ocasião, ao Bois de Boulogne onde tantas vezes vira a Sra. Swann a passear na sua carruagem.
''À Sombra das Moças em Flor'' divide-se em duas partes. Em "Ao Redor da Sra. Swann"
mostra-se o Narrador já íntimo dos Swann, porém Gilberte não o ama. E ele, depois de muito sofrer, acaba esquecendo-a. A segunda parte, "Nomes de Lugares: o Lugar", já pelo título aponta para uma conexão com a parte final do livro anterior. Os nomes voltam a encantar o Narrador, mas são os lugares que o fascinam, notadamente o balneário de Balbec, onde passa uma temporada de verão. Ali conhece Albertine e as outras "moças em flor" do seu grupo. Prefere Albertine, porém só muito mais tarde se apaixonará por ela.
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