Depois disse, sem qualquer preâmbulo:

– É sobre Charles e a oferta de Tio Joseph... Mamãe falou comigo. Diz ela que não pode pagar a escola dele depoisdeste ano. Diz que já vai ter de fazer um saque a descoberto.

– Isso simplesmente não é verdade – disse Ralph.

– Não. Pensei que não fosse mesmo. Mas ela não se dápor vencida quando lhe digo isso.

Ralph, como se pudesse antecipar a extensão desse debatefamiliar, puxou uma cadeira para a irmã e sentou-se também.

– Não estou interrompendo? – perguntou ela.

Ralph sacudiu a cabeça, que não, e por algum tempo ficaram sem dizer nada. As rugas se curvavam em semicírculos por cima dos olhos deles.

– Ela não entende que é preciso correr riscos – observouele por fim.

– Penso que a mãe correrá riscos,se entender que Charlesé o tipo de garoto que pode lucrar com isso.

– Ele tem boa cabeça, não tem? – disse Ralph. Seu tom assumira uma nota de belicosidade que sugeriu à irmã al-gum agravo pessoal recente. Pensou no que poderia ter sido,mas logo desistiu dessa especulação e concordou:

– Em certas coisas ele é terrivelmente atrasado, comparado a você na mesma idade. E é difícil em casa também. Faz a Molly de escrava.Ralph emitiu um som que significava seu menoscabo por essa espécie de discussão. Era claro para Joan que encontrara pela frente uma das crises de mau humor do irmão,e que ele ficaria na oposição a tudo o que a mãe tivesse dito.O fato de que a chamara de “ela”, era prova certa disso.Suspirou involuntariamente, o suspiro irritou Ralph, e ele exclamou:

– É duro enterrar um menino num escritório aos dezessete!

– Ninguém deseja enterrá-lo num escritório – disse ela.Também começava a ficar exasperada. Passara a tarde inteira a discutir com a mãe detalhes fastidiosos de educação e despesas, e viera ter com o irmão em busca de apoio, encorajada, estupidamente, a esperar auxílio dele pelo fato deque estivera fora, não sabia onde nem pretendia perguntar, o dia todo.

Ralph gostava da irmã, e a irritação dela o fez pensarcomo era injusto que todos esses fardos lhe fossem atiradosaos ombros.

– A verdade é – observou sombriamente – que eu deviater aceitado o oferecimento de Tio Joseph. Já estaria fazendo seiscentas por ano a esta altura.

– Não creio nem por um momento – replicou Joan, depressa, arrependida da própria irritação. – A meu ver, a questão é cortar as nossas despesas de algum jeito.

– Uma casa menor?

– Ou talvez menos empregados.

Nem o irmão nem a irmã falaram com muita convicção. E depois de refletir por algum tempo sobre o que significariam as reformas propostas numa casa já estritamente econômica, Ralph anunciou com firmeza:

– Nem pensar.

Não é admissível que ela assumisse ainda mais trabalhosdomésticos. Não, o sacrifício tinha de recair sobre ele, poisele estava decidido a que sua família tivesse, tanto quantooutras famílias, oportunidades de se distinguir. Como osHilbery tinham, por exemplo. Acreditava secretamente, e um tanto audaciosamente também, por se tratar de fato impossível de provar, que havia algo de bastante notável na suafamília.

– Se a mãe não quer correr riscos...

Você não tem o direito de esperar que ela venda tudo outra vez.

Ela deveria ver isso como um investimento. Mas se não quer, temos de encontrar outro meio, só isso.

Havia uma ameaça nessa frase, e Joan sabia, sem ter de perguntar, que ameaça era. No decurso da sua vida profissional, que já se estendia agora por cinco ou seis anos, Ralpheconomizara, talvez, trezentas ou quatrocentas libras.

Considerando os sacrifícios que ele fizera a fim de pôr de lado essa soma, Joan ficava pasma de ver que ele jogava comela, comprando ações e revendendo-as, aumentando o bolode vez em quando, outras diminuindo-o, e arriscando-se sempre a perder até o último níquel no desastre de um sódia. Embora ela tivesse tais dúvidas, não podia impedir-sede amá-lo, mais ainda, até, por essa combinação insólita de autocontrole espartano e o que lhe parecia ser uma loucuraromântica e infantil. Ralph interessava-a mais que qualquercoisa no mundo, e muitas vezes interrompia uma dessas discussões econômicas, a despeito da seriedade delas, para considerar alguns novos aspectos do caráter do irmão.

– Penso que seria ridículo pôr em perigo o seu dinheiro por causa do pobre Charles – disse ela. – Por mais que eugoste dele, não me parece lá muito brilhante... Além disso, por que você se sacrificaria?

– Minha querida Joan – exclamou Ralph,espreguiçandose com um gesto de impaciência. – Pois não vê que temostodos de fazer sacrifícios? De que serviria negá-lo? De queserviria lutar contra isso? Assim tem sido sempre e assimvai ser. Sempre. Não temos dinheiro e nunca teremos.Ficaremos a girar no moinho todos os dias de nossas vidas,até cair mortos, gastos, como acontece com muita gente,aliás, quando se pensa nisso.

Joan olhou-o, entreabriu os lábios como se fosse falar, e fechou-o outra vez. Depois disse, tentativamente:

– Você não está feliz, Ralph?

– Não. E você está? Talvez eu seja tão feliz como a maioria das pessoas.