Turner, do andar de baixo – disse Mary.E sentiu-se grata a Mr. Turner por haver alarmado Ralph epor ter sido um falso alarme.

– Serão muitos? – Ralph perguntou depois de uma pausa.

– Haverá os Morrises e os Crashaws, e Dick Osborne, e Septimus, todo esse pessoal. Katharine Hilbery virá também diga-se de passagem.Ou pelo menos foi o que WilliamRodney me disse.

– Katharine Hilbery! – exclamou Ralph.

– Você a conhece? – perguntou Mary com alguma surpresa.

– Fui a um chá em casa dela.

Mary insistiu com ele para que contasse tudo a respeito,e Ralph não se fez de rogado em exibir provas da extensãodo seu conhecimento. Descreveu a cena com alguns acréscimos e exageros que interessaram muitíssimo a Mary.

– Mas, a respeito do que você diz, tenho admiração porela – disse. – Só a vi uma vez ou duas, mas me parece ser oque se chama uma “personalidade”.

– Não quis falar mal dela. Apenas senti que não simpatizara muito comigo.

– Dizem que ela vai casar-se com o esquisitão do Rodney.

– Casar com Rodney? Então deve ser muito mais confusa do que pensei.

Agora é a minha porta! – exclamou Mary, guardando suas lãs com cuidado, enquanto uma sucessão de pancadasreverberava inutilmente, acompanhada pelo estrépito de gente que batia os pés e ria. Um momento depois, a salaestava cheia de rapazes e moças que entraram com umcurioso olhar de expectativa, exclamaram: “Oh!” ao daremcom Denham, e depois ficaram imóveis, boquiabertos e aratoleimado.

Em breve a sala continha entre vinte e trinta pessoas, quena maior parte só encontraram lugar para sentar-se no chão, ocupando os colchões e encolhendo-se em formas triangulares. Eram todos jovens e alguns pareciam fazer um protesto com seus cabelos e roupas, e também com alguma coisade carregado e truculento na expressão, em contraste com otipo mais normal, que teria passado despercebido num ônibus ou num vagão de metrô. A conversa, curiosamente,confinou-se em grupos e foi, de começo, inteiramente espasmódica, conduzida em voz baixa, como se os interlocutores suspeitassem dos vizinhos.

Katharine Hilbery chegou bastante tarde, e instalou-se no soalho, com as costas apoiadas numa parede. Olhou depressa em redor, reconheceu uma meia dúzia de pessoas,que cumprimentou de cabeça, mas não viu Ralph ou, se oviu, já se esquecera de ligar qualquer nome à sua pessoa.Mas num segundo todos esses elementos heterogêneos foram unidos pela voz de Mr. Rodney que, de súbito, marchoupara mesa e começou, rapidamente, em tons estrídulos:

– Ao incumbir-me de falar sobre o uso elisabetano da metáfora em poesia...

Todas as cabeças balançaram de leve ou se endireitaram numa posição de que pudessem ver diretamente o orador. Ea mesma expressão, quase solene, pôde ser lida em todos osrostos. Mas, ao mesmo tempo, até as faces mais expostas àvista e, portanto, mais rigidamente sob controle, deixavam perceber um súbito e impulsivo tremor que, incontido, se teria transformado em frouxo de riso. A primeira visão de Mr. Rodney era irresistivelmente ridícula. Muito vermelhona cara, em conseqüência da noite fria de novembro ou donervosismo, cada um dos seus movimentos, desde a maneira como torcia as mãos ao jeito que tinha de sacudir bruscamente a cabeça para a direita e para a esquerda, como se alguma coisa que via o atraísse ora para a porta ora para a janela, denunciava a terrível aflição de sentir-se sob a mira de tantos olhos. Vestira-se meticulosamente bem, e uma pérolaposta no centro da gravata conferia-lhe um toque suplementar de aristocrática opulência. Mas os olhos por demaisproeminentes e a maneira compulsivamente gaguejante – que parecia indicar uma torrente de idéias, sempre a pedirpassagem e sempre represadas por uma convulsão nervosa – não eram de molde a inspirar piedade (como teria acontecido com um personagem mais imponente); davam, ao contrário, vontade de rir – sem maldade, embora. Mr. Rodney,por sua vez,estava tão evidentemente cônscio da sua aparência insólita, a vermelhidão do rosto e os repelões do corpodavam tal prova de embaraço, que havia algo de comoventenuma susceptibilidade assim ridícula. Mas é de crer que amaioria das pessoas fizesse eco àquele aparte de Denham:

– Imagine-se, casar com uma criatura dessas!

Seu texto fora preparado cuidadosamente, mas a despeito dessa precaução, Mr. Rodney conseguiu virar duas páginas em vez de uma, escolher a sentença errada quando duashaviam sido escritas juntas, e descobrir que a própria caligrafia ficara, de repente, ilegível. Quando encontrava umapassagem coerente, brandia-a para a audiência, quase agressivamente; depois remexia em seus papéis em busca de outra. Ao fim de uma agitação frenética, nova descoberta erafeita e produzida como a anterior e assim sucessivamente,até que, por meio de repetidos ataques, a platéia foi levada auma animação raras vezes vista em reuniões desse tipo. Se oque os instigava era o entusiasmo pela poesia ou pelas contorções a que um ser humano se sujeitasse por amor deles,seria difícil dizer. Por fim, Mr. Rodney sentou-se impulsivamente em meio a uma sentença e, depois de uma pausa deespanto, a assistência expressou seu alívio por poder rir alto numa decidida explosão de aplausos.

Mr. Rodney respondeu correndo em torno um olhardesvairado; e, ao invés de esperar por perguntas, atirou-se por cima dos corpos sentados para o canto em que Katharineestava, dizendo audivelmente:

– Bem, Katharine, imagino ter feito um papel de palhaço até para você. Foi terrível! Terrível, terrível!

– Calma! Você terá de responder às perguntas deles cochichou-lhe Katharine, desejando, acima de tudo, mantêlo quieto.Curiosamente,agora que o orador não estava maisdiante deles, parecia haver mais coisas sugestivas no que ha-via dito. De qualquer maneira, um moço pálido de olhostristes já se achava de pé, e fazia um discurso muito bem armado e com perfeita compostura.