William Rodney ouviucom um curioso esgar, embora o rosto ainda lhe tremesselevemente de emoção.

– Idiota! – murmurou. – Ele não entendeu nada do que eu disse! Bem, responda-lhe, então – murmurou de volta Katharine.

– Não, não posso fazer isso. Vão rir de mim. Por que deixei que você me persuadisse de que essa espécie de gentese interessa por literatura? – continuou.

Havia muito que dizer em favor e contra a tese de Mr.Rodney. Estava recheada de asserções de que tais e tais passagens,tiradas literalmente do inglês,do francês e do italiano, eram as supremas pérolas da literatura. Ademais, elegostava de usar metáforas que, compostas no gabinete, soavam forçadas ou fora de contexto quando oferecidas, assim,fragmentariamente. – A literatura – disse – era uma frescagrinalda de flores primaveris, na qual as frutinhas do teixo ea erva-moura vermelha mesclavam-se aos variados matizes da anêmona. E, de uma maneira ou de outra, essa grinaldaornava frontes de mármore. Lera muito mal algumas citações esplêndidas. Mas através da maneira canhestra e daconfusão de linguagem emergia alguma paixão que, quandoele falava, formava na maioria da audiência uma pequenaimagem ou uma idéia a que cada um estava ansioso agorapara dar expressão. Muitos dos presentes propunham-se apassar a vida a escrever ou a pintar, e só de olhá-los erapossível saber que, à medida que ouviam, primeiro Mr.Purvis, depois Mr. Greenhalgh, percebiam que esses senhores estavam a fazer algo com uma coisa que acreditavam atéentão propriedade sua. As pessoas se levantavam, uma depois da outra, e, como se tivessem um machado mal-equilibrado nas mãos, cada uma tentava esculpir mais nitidamente a sua própria idéia de arte e sentava-se com a sensação deque, por alguma razão que não se podia entender, seus golpes tinham caído mal. E, ao se sentarem, viravam-se quaseinvariavelmente para quem estava mais próximo, tentandoretificar e explicar o que acabavam de dizer de público. Nãolevou muito tempo para que os grupos nos colchões e osgrupos nas cadeiras ficassem todos em comunicação unscom os outros,e Mary Datchet,que começara a cerzir meiasoutra vez, curvou-se um pouco e observou a Ralph:

– Isso é o que eu chamo um ensaio de primeira ordem.

E ambos, instintivamente, olharam na direção do au-tor. Mr. Rodney estava recostado contra a parede, com os olhos aparentemente fechados e o queixo enfiado no colarinho. Katharine folheava as páginas do manuscrito,como se procurasse alguma passagem que a tivesse impressionado particularmente, e sentisse dificuldade em encontrá-la.

– Vamos até ele dizer o quanto gostamos da conferência

disse Mary, sugerindo um curso de ação que Ralph estavaansioso para seguir, embora, sem ela, ele talvez tivesse sidoorgulhoso demais para fazê-lo, pois suspeitava que nutriamais interesse por Katharine do que ela por ele.

Foi um ensaio muito interessante, o seu – começou Mary sem nenhum acanhamento, sentando-se no chão emface de Rodney e Katharine. – Você me emprestará o manuscrito para ler em paz?

Rodney, que abrira os olhos à aproximação deles, fitou-apor um momento num silêncio desconfiado.

– Você diz isso apenas para disfarçar o fato do meu ridículo fracasso? – perguntou.Katharine levantou os olhos da leitura com um sorriso.

– Ele afirma que não lhe importa o que pensemos dele disse. – Ele diz que não liga a mínima para arte de nenhuma espécie.

Eu lhe supliquei que tivesse piedade, e ela fica a zombar de mim! – exclamou Rodney.

Não tenho qualquer intenção de me compadecer do senhor, Mr. Rodney – disse Mary, amável, mas firmementetambém. – Quando uma conferência é um fracasso, ninguém diz nada. Ao passo que agora, ouça-os a todos!

A vozearia que enchia a sala, com sua sofreguidão de sílabas curtas, sua pausas súbitas e seus súbitos ataques,podia ser comparada a algum frenético e inarticulado tumulto animal.

– Você acha que tudo isso é por causa do meu texto? – perguntou Rodney, depois de um momento, com visívelanimação.

– Claro que é – disse Mary. – Foi um ensaio muito estimulante. Voltou-se para Denham, como se lhe pedisse confirmação, e ele corroborou o que ela dissera.

– São os dez minutos que se seguem à leitura de um ensaio que provam se ele foi um sucesso ou não – disse ele. Seeu fosse você, Rodney, estaria muito contente comigo mesmo. Essa observação acabou de consolar Mr. Rodney. E ele se pôs a rememorar todas as passagens do seu escrito quepoderiam ser tidas por “estimulantes”.

– Você concordou de todo, Denham, com o que eu dissesobre o uso tardio da metáfora por Shakespeare? Receio nãohaver esclarecido muito bem esse ponto.

Aí ele se concentrou, e por meio de uma série de convulsões de sapo conseguiu arrastar-se até Denham.

Denham respondeu-lhe com uma brevidade que eraresultado de ter outra frase em mente para dirigir a outrapessoa.Queria dizer a Katharine:você se lembrou de mudar o vidro daquele quadro antes que sua tia fosse jantar? Mas,além de ter de responder a Rodney, não estava seguro de quea observação, com sua nota de intimidade, não fosse parecerimpertinente a Katharine. Ela estava ocupada a ouvir o que um membro de outro grupo dizia.