Fortescue construía outro monumento bem torneado de palavras, tinhatraços da mãe e do pai,e esses elementos se combinavam nelade maneira um tanto singular. Mostrava os movimentos impulsivos,rápidos,de sua mãe,os lábios que não raro se abriampara falar, depois fechavam-se outra vez; e os olhos escuros,ovalados,do pai,cheios até as bordas de luz,embora sobre umfundo de tristeza. E como era ainda jovem demais para teradquirido um ponto de vista pessimista, poder-se ia dizer queesse fundo não era tanto tristeza quanto um espírito dado àcontemplação e ao autocontrole.A julgar pelo cabelo,pela tez,pelo contorno dos traços, era de chamar a atenção, se não mesmo bela.Firmeza e serenidade marcavam-lhe a expressão,e essa combinação de qualidades resultava num caráter bastante definido, mas desses que não são feitos para deixar àvontade um homem jovem, que mal a conhece. Quanto ao mais, era alta; usava um vestido de cor neutra, uma velha renda amarelada por único ornamento, e no qual o reflexo deuma jóia antiga punha uma nota vermelha. Denham observou que, embora calada, tinha suficiente domínio da situaçãopara reagir imediatamente se a mãe apelasse de súbito paraela; no entanto,parecia-lhe óbvio que apenas prestava atençãocom a casca mais exterior da sua mente. Chamou-lhe a atenção que a posição da moça na mesa de chá, em meio a tantagente mais velha, não deixava de ter suas dificuldades, e procurou refrear sua tendência a achá-la, ou à sua atitude, geralmente antipática. O debate passara sobre Manchester, depoisde tratar a cidade generosamente.
– Será a Batalha de Trafalgar ou a Invencível Armada,Katharine? – perguntava a mãe. – Trafalgar, mamãe.
– Claro, Trafalgar! Que distração a minha! Outra xícarade chá, com uma rodela fina de limão e, depois, caro Mr.Fortescue, queira explicar minha absurda charada. A gente não pode deixar de confiar em gentlemen com narizes romanos, mesmo se os conheceu em ônibus.
Nesse ponto, Mr. Hilbery atalhou, naquilo que dizia respeito a Denham, e falou longamente e com muito sensosobre a profissão do advogado e as mudanças que vira emsua vida. Na verdade, isso era da sina de Denham, pois foraum artigo seu, sobre um assunto qualquer de direito, publicado por Mr. Hilbery na sua Revista, que aproximara osdois. E quando, um momento mais tarde, anunciou-se Mrs.Sutton Bailey, ele voltou-se para ela, e Mr. Denham viu-sesozinho e quieto, engolindo coisas por dizer, ao lado deKatharine, também silenciosa. Tendo ambos aproximadamente a mesma idade, e estando ambos abaixo dos trinta anos, era-lhes interdito o uso dessas frases de conveniência que servem para conduzir a conversação para águas tranqüilas. Silenciava-os ainda mais a maliciosa determinação de Katharine de não ajudar esse rapaz – em cuja postura altivae resoluta percebia alguma coisa de hostil ao meio dela – com nenhuma das habituais civilidades femininas. Em conseqüência, ficaram em silêncio, Denham controlando seudesejo de dizer algo de abrupto e explosivo, capaz de chocála e despertá-la. Mrs. Hilbery sentia instintivamente e imediatamente qualquer silêncio no seu salão como uma notamuda numa escala sonora; debruçando-se sobre a mesa, observou, com a maneira curiosamente hesitante e desinteressada que sempre conferia às suas frases uma leveza de borboletas que esvoaçam de um a outro ponto ensolarado:
– Sabe, Mr. Denham, o senhor me lembra muito o querido Mr. Ruskin... Será a gravata dele, Katharine, ou o cabelo, ou será a maneira que tem de sentar-se na cadeira? Diga-me, Mr. Denham, o senhor é admirador de Ruskin? Outro dia, alguém me disse: “Oh, não, nós não lemos Ruskin, Mrs. Hilbery.” O que lêem, então, me pergunto? Porque não podem passar a vida a subir em aeroplanos ou a se enfiarem nas entranhas da terra. Olhou com benevolência para Denham, que não disse nada de articulado, e depois para Katharine, que sorriu, mastambém não disse nada, e logo em seguida Mrs. Hilberypareceu possuída por uma idéia brilhante e exclamou:
– Estou certa de que Mr. Denham gostará de ver as nossas coisas, Katharine. Estou certa de que ele não é comoaquele horrível rapaz, Mr. Ponting, que me disse considerarnossa obrigação o viver só no presente. Afinal de contas, oque é o presente? Metade dele é o passado, e a melhor metade, diria eu – acrescentou, voltando-se para Mr.
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